A atividade econômica no Brasil deverá retrair neste primeiro semestre e recuperar gradualmente na segunda parte do ano, o que permitirá expansão do PIB real de apenas 2,8% em 2021.
A situação financeira das famílias está deteriorando desde o final do ano passado com a combinação de vários fatores, a saber:
1. O auxílio emergencial injetou R$ 322 bilhões no bolso das famílias no ano passado. Infelizmente, a deterioração das contas públicas impede a renovação do programa nessa magnitude. Assim, a PEC 186 autorizou uma nova rodada do auxílio em R$ 44 bilhões. Isso representa uma redução significativa do poder de compra da população;
2. O forte aumento do preço de alimentos nos últimos meses também está prejudicando o poder de compra. Para evitar uma queda significativa do consumo de produtos básicos, as pessoas cortam despesas de outros produtos menos essenciais;
3. O ritmo de recuperação do mercado de trabalho deverá desacelerar nos próximos meses com a queda da confiança dos empresários desde o final do ano passado. Assim, o aumento esperado para a massa salarial não será capaz de compensar os efeitos negativos sobre o poder de compra dos dois pontos anteriores;
4. As famílias estão comprometendo 31% da renda com pagamento de juros e amortização de dívida. Esse valor historicamente elevado está começando a prejudicar a concessão de novo crédito pelas pessoas.
Assim, as vendas de varejo estão caindo desde dezembro do ano passado, antes mesmo do recrudescimento recente da pandemia. As medidas de isolamento social adotadas em março apenas reforçam, ainda que temporariamente, a fraqueza prévia das condições de consumo.
A retração do consumo, a queda da confiança dos empresários e o aumento do custo de capital (aumento da taxa de juros futura) antecipam um fraco desempenho do investimento das empresas para os próximos trimestres.
As exportações devem ajudar a atividade econômica neste ano, mas precisamos lembrar que o Brasil ainda é um país relativamente fechado.
Assim, os fundamentos sustentam a nossa projeção de expansão da atividade abaixo do consenso nesse ano. Mas, o que realmente significa falar em ‘crescimento’ de 2,8% nesse ano? Esse número representa retração da atividade ao longo deste ano.
Importante entender que o crescimento do PIB real de 2021 será a diferença entre o nível médio da produção deste ano em relação ao nível médio do ano passado. O patamar da atividade no quarto trimestre (4T20) ficou muito acima da média de 2020 (linha verde de 2020), como mostra a figura a seguir. Se não houver crescimento ao longo do ano, o PIB real já ‘cresceria’ 3,6%.
Projeções e desdobramentos
Estimamos que o nível do PIB real do quarto trimestre deste ano ficará ligeiramente abaixo do patamar do final do ano passado. Isso não parece crescimento de verdade.
A elevada ociosidade minimiza a propagação dos choques dos preços de commodities e da desvalorização cambial para os itens da inflação mais sensíveis à demanda doméstica, como serviços.
O IPCA deverá atingir 6,2% em março, patamar muito alto, enquanto a inflação de serviços acumulará apenas 1,7% nos últimos doze meses. Estimamos que o IPCA atingirá o pico de 7,7% em junho desse ano e começará a recuar até a meta de 3,5% em dezembro de 2022.
Apesar disso, o BCB iniciou o processo de “normalização parcial” da política monetária com aumento da taxa Selic de 2,00% a.a. para 2,75% a.a. no mês passado. Esse movimento, mais brusco do que o esperado pelo consenso dos economistas, foi baseado em uma visão mais otimista para a atividade econômica e na preocupação com as expectativas de inflação de 2021 e 2022.
A autoridade monetária espera crescimento do PIB real em 3,6% para esse ano, acima da nossa projeção em 2,8% e do consenso em 3,2%. Uma esperada revisão desse cenário beneficiará suas próprias projeções de inflação de médio e longo prazo.
Assim, acreditamos que o Copom ponderará a inequívoca fraqueza da demanda doméstica nas suas próximas 4 decisões e realizará, por ora, a prometida normalização parcial da política monetária, levando a taxa Selic para 4,5% nesse ano e 6,0% no próximo ano.
Portanto, as condições de consumo das famílias têm deteriorado substancialmente nos últimos meses, o que prejudicará sensivelmente a atividade nesse semestre. Essa fraqueza deverá trazer a inflação para o centro da meta ao longo do próximo ano, o que permitirá mais uma nova reflexão pela autoridade monetária.
Forte crescimento mundial
A atividade mundial apresentou forte expansão no primeiro trimestre e deverá acelerar nos próximos meses. A vacinação e os enormes estímulos fiscais e monetários continuam impulsionando o consumo, a produção e o emprego ao redor do globo.
Os EUA aprovaram mais um imenso pacote fiscal em torno de USD 1,9 trilhão no mês passado, o que sustenta nossa expectativa de crescimento do PIB real em 7,0% nesse ano, acima do consenso em 5,7%.
Por lá, a rápida vacinação pode antecipar o retorno do consumo de serviços pelas famílias, como lazer e turismo, gerando um viés mais positivo para a nossa projeção.
O aumento da produção incentivará o mercado de trabalho, que voltará para o nível anterior da crise no início de 2022. Assim, acreditamos que o FED antecipará o início da normalização da taxa de juros para o início de 2023.
Além disso, os estímulos levarão o déficit do Tesouro americano para cerca de USD 3,4 trilhões no ano fiscal de 2021, superior ao enorme déficit de USD 3,1 trilhões do ano fiscal passado. O governo precisará atrair elevado montante de recursos do setor privado para financiar suas despesas, o que acontecerá com aumento da remuneração dos títulos públicos. Ou seja, mantemos a expectativa de que as taxas de juros das Treasuries subirão no médio prazo.
O aumento da curva de juros americana favorece ciclicamente o dólar e prejudica o financiamento de países emergentes com elevada vulnerabilidade. Por outro lado, aqueles com maior abertura comercial podem aproveitar o crescimento da demanda dos desenvolvidos para aumentar suas exportações.
Portanto, a atividade mundial está acelerando fortemente com os estímulos dos governos e a vacinação. O destaque positivo tem sido a economia americana, o que tem elevado a taxa de juros dos seus títulos públicos e, consequentemente, prejudicado o financiamento dos países emergentes mais frágeis. Fazer a lição de casa é sempre a melhor alternativa.
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