
Em geral, quando o atual Presidente da República é acusado de inação ou incompetência, no cumprimento de suas metas e de seu programa de governo, seus defensores argumentam que Jair Bolsonaro está tolhido pelo Congresso e pelo STF, instâncias em que, efetivamente, as questões mais importantes são resolvidas. Esses fiéis seguidores fingem não saber que qualquer postulante à cadeira do Planalto conhece, ou deveria conhecer, o processo de elaboração, discussão e aprovação de políticas públicas.
Grande parte delas, é óbvio, depende da aprovação do Congresso e, algumas delas, quando suspeitas de inconstitucionalidade, passam pelo crivo do STF. Portanto, os candidatos deveriam levar isso em conta, não apenas quando fazem as promessas, como quando tentam cumpri-las, se eleitos. Além do mais, é tarefa primária do Presidente da República, no regime semipresidencialista, como o brasileiro, construir e preservar base sólida no Congresso, que lhe permita tocar adiante seu programa. Instrumentos não lhe faltam para essa tarefa.
Entretanto, há um personagem político em Brasília do qual pode se dizer tudo, menos que não conhece as regras do jogo e que não sabe jogá-lo. O Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, sabe, perfeitamente, o poder de seu cargo, o segundo na linha de sucessão da Presidência da República.
Ter, ao mesmo tempo, o poder de ditar a pauta de votações da Câmara e o de aceitar, rejeitar ou engavetar pedidos de impeachment, é a expressão máxima da ascendência e liderança que o deputado alagoano tem sobre seus pares — e de sua influência junto ao próprio Presidente da República.
Lira chegou falando grosso em fevereiro de 2021, cobrando vacinas e falando em “arsenal de medidas”, uma referência velada a um eventual processo de impeachment. É evidente que nunca lhe passou pela cabeça aceitar qualquer um dos mais de cem pedidos sobre o tema, mas sabia que bastava aquela menção para trazer o Presidente da República para sua órbita.
Coincidência ou não, a partir daquele momento cessaram as manobras protelatórias da compra dos imunizantes e o Brasil passou a ter, desde então, oferta suficiente de doses para vacinar toda a população mais de uma vez. Ainda que JB e seus dois “sinistros” da Saúde tenham sido, sempre, contrários à vacinação – sob o disfarce de lutar contra a obrigatoriedade −, nunca mais expuseram, em público, essas sandices.
Ao mesmo tempo, Lira fez avançar a pauta de votação de interesse do governo, naquilo que coincidia com os interesses de sua base − o Centrão. Aprovou o marco legal do saneamento básico, uma nova reforma eleitoral, a medida provisória de privatização da Eletrobrás com dezenas de “jabutis”, as alterações na Lei de Improbidade Administrativa, a autonomia do Banco Central e, mais recentemente, o chamado “Pacote do Veneno” ou Lei dos Agrotóxicos.
Além disso, Lira ainda fez alterações no regimento Interno da Casa diminuindo as possibilidades de obstrução e agilizando as discussões e votações.
Pedaladas e orçamento secreto
Outra importante vitória de Artur Lira ocorreu na aprovação da Lei dos Precatórios. Concentrou a discussão da PEC na Câmara dos Deputados e engoliu Rodrigo Pacheco, que não teve outra alternativa senão aceitar tudo o que veio aprovado pela Câmara. Abriu espaço no Orçamento Federal para o Auxílio Brasil, em tudo igual ao achincalhado Bolsa Família, visto, até anteontem, como eleitoreiro e perdulário pelos bolsonaristas de origem.
Fez mais: reviveu as “pedaladas” para driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de novos e generosos parcelamentos para estados e municípios honrarem suas dívidas já transitadas em julgado.
Mas o melhor – a cereja do bolo, para ele e sua base− ainda estava por vir. Garantiu gorda fatia de R$ 16 bilhões no Orçamento Federal para as emendas do relator, um tal de “Orçamento Secreto”, uma aberração clientelista e pouco republicana, para dizer o mínimo. Duplicou os valores destinados aos Fundos Eleitoral e Partidário, que atingem agora R$ 5,9 bilhões. Em resumo: a partir de 2022, os congressistas não precisarão mais enfrentar filas nos corredores dos ministérios para mendigar verbas para suas bases.
Ao contrário, os ministros e seu Chefe precisarão ir aos deputados e senadores para verem aprovadas as matérias de interesse do governo. JB, que não é bobo e só pensa naquilo – a reeleição – acusou o golpe e o assimilou prontamente. Delegou ao outro expoente do “Big Center”, o Ministro Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, o poder de avaliar e avalizar mudanças no Orçamento, antes atribuição exclusiva do ministro da Economia. A chave do cofre, portanto, está nas mãos honradas e austeras dos comandantes do Centrão.
Enquanto isso, Lira, sentado sobre 130 pedidos de impeachment, vai cozinhando o Presidente em banho maria, acenando ora com a reforma tributária, ora com a reforma administrativa, e segurando a votação das lei das fake news. Posa de moderno, fugindo da pauta dos costumes, tão cara aos evangélicos, os mais fiéis bolsonaristas. É capaz de aprovar a legalização do jogo, um horror para a Igreja Católica mas aceitável para alguns pastores, que pregam e praticam a obtenção de tesouros aqui mesmo neste “plano”.
Temo que, no segundo mandato, se houver, Waldemar Costa Neto substitua Paulo Guedes e Silas Malafaia vá para o Ministério da Justiça. O Brasil não é para amadores.
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