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dinheiro em espécie

O dinheiro em espécie vai acabar em breve?

28 novembro 2019 - 15h56Por Laís Martins
As transações sem dinheiro em espécie aumentam a cada dia. O surgimento de bancos digitais e o crescimento do uso de cartão de crédito e de transferências online levantam uma questão: será que o dinheiro em espécie está em processo de extinção? Em alguns países, como a Suécia, já existem bancos que eliminaram o uso de notas e moedas. O Sveriges Riksbank, banco central sueco, declarou que, em 2017, a circulação de papel-moeda regrediu a patamares de 1990.  Ainda na Europa, o Banco Central Europeu (BCE) divulgou que, em 2016, 21% das transações de pontos de venda no continente foram feitas sem a utilização do dinheiro físico. No Brasil, em 2015, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) apresentou o Projeto de Lei 48/2015, que propõe a extinção de “produção, circulação e uso do dinheiro em espécie, e determina que as transações financeiras se realizem apenas através do sistema digital”. Atualmente, esse PL segue aguardando Parecer do Relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) na Câmara dos Deputados. Contudo, o Projeto de Lei pode ser um pouco precoce. Dados do Banco Central do Brasil mostram que, em 2019, há um volume de 6,27 bilhões de cédulas circulando no país.

O dinheiro em espécie ainda é muito utilizado em transações

Mesmo com as grandes mudanças que tomam conta das transações monetárias, um estudo da EY Global, organização multidisciplinar que oferece serviços de auditoria, elisão fiscal, consultoria e transações corporativas, mostra que a extinção do papel em espécie pode estar mais longe do que parece. Um dos motivos é a grande utilização das cédulas para compras e operações. Segundo o levantamento na Europa, onde os serviços financeiros on-line são bem estabelecidos, os pagamentos em dinheiro das famílias totalizaram 1,7 bilhão contra 1,1 bilhão em cartões, em 2016. Além disso, no mesmo ano, 79% das transações em território europeu foram baseadas em dinheiro. Por outro lado, na América Latina, muitas pessoas continuam sem conta em banco. Segundo dados do IBGE, de setembro de 2017, 60 milhões de pessoas com mais de 18 anos não tinham conta em banco no Brasil. Segundo o estudo, outro fator que limita a expansão das transações onlines é a baixa conectividade em algumas regiões do globo. Na Índia, por exemplo, 72% das transações com consumidores ainda são realizadas com dinheiro. Isso porque os comerciantes não estão dispostos ou não podem pagar as taxas cobradas pelas empresas de pagamentos eletrônicos,  mas também porque não possuem acesso a meios tecnológicos, principalmente em áreas rurais.

A economia digital precisa ser popular

A tecnologia é uma via de duas mãos. Ela conecta o mundo inteiro, mas também exclui de forma drástica aqueles que não possuem acesso a ela. Segundo a mais recente pesquisa TIC Domicílios, feita pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), apenas 49% da zona rural brasileira têm acesso à rede. Os dados são de 2018. Do total de domicílios do Brasil, apenas 67%, ou 46,5 milhões de domicílios, têm esse acesso. Além disso, apenas 48% da população das classes D e E estão conectados a internet. Apesar da penetração ainda baixa nas camadas de baixo poder aquisitivo, houve crescimento em relação a 2017, quando a mesma pesquisa indicou que apenas 42% da população de baixa renda estavam conectados. Na opinião do professor Carlos Heitor Campani, que leciona finanças no Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), só pode haver a transição total para o digital se a sociedade acompanhar o processo. “Caso contrário, a sociedade impedirá a mudança. Quando você lida com dinheiro, mesmo as camadas sociais mais baixas são uma fonte de consumo enorme. Elas não podem ser deixadas de fora. A tecnologia vai ter de achar uma maneira de ser popular”, afirmou.

A tecnologia pode ser benéfica, mas ela é segura?

Apesar da proliferação de opções de bancos digitais, as pessoas pesquisadas pela EY Global no estudo Why the Potential End of Cash is About More than Money (Por Que o Potencial Fim de Caixa é Mais do que Dinheiro, em tradução livre) ainda têm receios em partilhar seus dados com instituições financeiras e estão incertos quanto à necessidade e os benefícios dos bancos on-line. “As pessoas estão receosas com algumas mudanças e isso é um processo natural. Toda novidade traz medo. Além disso, as novidades trazem riscos. A gente não sabe quanto algo novo pode evoluir e nesse trajeto de evolução, vários novos [bancos digitais] podem quebrar sim. Esse risco existe. Leva tempo para as mudanças se estabelecerem e trazer segurança”, finalizou Campani.