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Criada para reparar danos em Mariana, Renova não atuará em Brumadinho

31 janeiro 2019 - 22h07Por Agência Brasil

A participação da Fundação Renova na gestão das medidas para reparação dos danos da tragédia de Brumadinho é descartada tanto pela própria entidade como pelo Ministério Público Federal (MPF). Ela deverá continuar atuando exclusivamente sobre os prejuízos causados pelo rompimento da barragem da Samarco, ocorrido há pouco mais de três anos em Mariana (MG).

"A Fundação Renova não vai atuar em Brumadinho. Estamos firmes e determinados em nos concentrar na condução dos nossos programas em curso. São situações muito distintas e temos a obrigação de continuar dando toda a atenção aos atingidos da bacia do Rio Doce. Essa é a nossa missão", disse à Agência Brasil o presidente da Fundação Renova, Roberto Waack.

Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Mariana (MG) - Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco - Antonio Cruz/ Agência Brasil

Ocorrido em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem da Samarco deixou 19 mortos e três distritos destruídos, além da devastação florestal e da poluição dos mananciais da bacia do Rio Doce. Cerca de quatro meses depois, a criação da Fundação Renova foi determinada pelo Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) assinado entre a mineradora, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo. A entidade ficou responsável pela gestão dos programas voltados para a reparação de todos os danos ambientais e socioeconômicos.

A atuação da Fundação Renova é alvo de críticas dos atingidos, das prefeituras e do MPF. O presidente da entidade diz reconhecer que houve alguns erros, mas avalia que a escolha do modelo adotado para reparação dos danos da tragédia foi um acerto. Em sua visão, ele deve servir de exemplo para o caso de Brumadinho.

"Cada desastre tem suas particularidades e não há uma resposta padronizada. É difícil comparar. Mas eu não tenho nenhuma dúvida de que o modelo que nós estamos usando é o melhor para tragédias dessa natureza. Isso não é só no Brasil. Ter uma entidade 100% dedicada à reparação, com um corpo especializado e uma estrutura de governança voltada para isso é o modelo preconizado no mundo inteiro", diz Roberto Waack.

O procurador Helder Magno da Silva, integrante da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) que atua nos desdobramentos da tragédia de Mariana, faz algumas ponderações acerca do modelo utilizado. "A Fundação Renova no papel é uma entidade independente. Mas na nossa visão, ela não tem mostrado essa independência diante das empresas".

Um dia após rompimento da barragem da Vale ocorrido na última sexta-feira (25) na Mina Feijão, em Brumadinho, a Procuradoria-Geral da República anunciou criação de uma nova força-tarefa pra lidar com as consequências da tragédia. Sua composição ainda não foi anunciada, mas segundo Helder estão ocorrendo articulações para que sejam incorporados procuradores que atuam no caso de Mariana. O objetivo é aproveitar o conhecimento já adquirido.

Com base na sua experiência com a tragédia de Mariana, Silva acredita que será preciso debater se há a necessidade ou não de uma instituição nos moldes da Fundação Renova para atuar em Brumadinho. "Se pensou na criação de uma entidade privada baseada naquela ideia que sempre associa o público à morosidade. Mas a Fundação Renova tem se mostrado excessivamente burocrática".

Críticas

Por parte dos atingidos, sobram críticas à Fundação Renova em questões como o pagamento das indenizações e a reconstrução das comunidades destruídas. A dificuldade para ter acesso a informações, outro motivo para as queixas, esteve entre as violações citadas em uma recomendação expedida pelo MPF em abril do ano passado. "Muitas vezes, há um olhar sobre o atingido como se eles fossem pessoas interesseiras, querendo ganhar dinheiro fácil. E dessa forma não se dá a eles o devido respeito", avalia o procurador.

Passados mais de três anos da tragédia, grande parte dos atingidos ainda não recebeu valores referentes às indenizações. No caso dos atingidos da cidade de Mariana, o processo tramita na Justiça estadual e a expectativa do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) é de que os pagamentos pendentes sejam feitos esse ano. Nos demais municípios, cabe à Justiça federal acompanhar os desdobramentos.

Há duas semanas, uma decisão judicial favorável à Samarco trouxe mudanças para o cálculo da indenização de aproximadamente 9 mil pescadores, o que gerou protestos no Espírito Santo. A defesa dos atingidos e o MPF vão recorrer.

Também buscando receber indenizações, algumas prefeituras optaram pela reivindicação através de ação judicial. O presidente da Fundação Renova afirma ter ciência das críticas, mas defende ser preciso considerar o processo de aprendizagem. "No Brasil, esse modelo ainda é novo. Muita gente está aprendendo. A Fundação Renova, de certa forma, foi a cobaia desse processo. Está sendo o teste deste aprendizado para a sociedade. Há erros e acertos e um tempo de absorção do entendimento", diz Roberto Waack.

Reconstrução

O presidente da Fundação Renova reconhece que o cronograma para reconstrução das comunidades apresentado originalmente não era realista. O início das obras atrasou e a entrega dos distritos, prevista para este ano, não vai ocorrer antes de agosto de 2020. O MPMG já ajuizou uma ação civil pública onde cobra indenização pelos atrasos e alega que a Fundação Renova cometeu falhas que travaram o processo de reconstrução. Segundo Waack, foi feita uma previsão otimista pela falta de experiência.

"Entendemos que para o atingido é uma demora imensa. Se olhar para a perspectiva do que serão as comunidades, considerando a escolha do melhor local, a negociação, o licenciamento, o plano diretor e o desenho das casas, veremos que não é algo que se resolve em pouco tempo. A qualidade final será muito superior ao de um assentamento padrão, com casas padronizadas. No nosso caso, cada casa é um projeto específico. É a primeira vez que se faz isso no Brasil", diz.

Segundo ele, no futuro, as pessoas terão a compreensão de que esse processo leva tempo. "Olha o exemplo do acidente nuclear de Fukushima, no Japão. Já são mais de sete anos e o processo de reassentamento ainda está em curso", acrescenta.

Valores

De acordo com a Fundação Renova, passados pouco mais de três anos da tragédia, foram gastos até o momento R$ 5,26 bilhões, dos quais R$ 1,3 bilhão com as indenizações e com o auxílio emergencial mensal às vítimas que perderam sua renda. O valor global aplicado até o momento representa menos da metade do que os recursos da Vale já bloqueados pela Justiça em decorrência da tragédia de Brumadinho. As decisões judiciais, que totalizam R$11,8 bilhões, tiveram o intuito de assegurar a futura reparação dos danos.

Roberto Waack não quis fazer comparações sobre os valores. "Não tenho a menor condição de falar sobre a situação Brumadinho. São situações muito diferentes", disse. Segundo ele, no caso de Mariana, os gastos estão em conformidade com a previsão inicial de aplicar R$12 bilhões em um período de 10 anos. Na época da assinatura do TTAC, foi estimado um investimento de R$ 20 bilhões em 15 anos.