A corrida da Azul (AZUL4) para renegociar sua dívida de R$ 600 milhões com arrendadores de aeronaves já desponta como uma de suas maiores manobras até agora. A empresa tenta evitar o mesmo destino da Gol (GOLL4), com o processo de recuperação judicial nos Estados Unidos, conhecido como Chapter 11.
Enquanto a Gol busca avançar no plano judicial de recuperação, as negociações da Azul giram em torno da substituição das dívidas por participação societária dos arrendadores na companhia.
Essa medida tem gerado dúvidas sobre o impacto que pode ter sobre os acionistas veteranos da companhia e o quanto modificaria sua alavancagem operacional.
João Daronco, analista da Suno Research, alerta para o risco da estratégia gerar diluição a investidores que já possuem participação na empresa.
“No curto prazo, você tem uma redução da alavancagem, o que pode ser positivo, mas no longo prazo ocorre uma maior diluição dos acionistas, reduzindo suas participações”, analisa Daronco.
Incertezas à parte, o fato é que o alto endividamento tanto da Azul quanto da Gol tem chamado não só a atenção dos investidores, mas também a do governo federal.
Desde o ano passado, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se movimentado com estratégias para socorrer o setor aéreo após observar a situação financeira dessas companhias.
Atualmente, as duas empresas acumulam dívidas totais na casa dos R$ 28 bilhões.
Empréstimo do FNAC e Voa Brasil podem salvar Gol e Azul?
O presidente Lula sancionou recentemente a lei que atualiza a Lei Geral do Turismo e permite que recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) sejam usados para conceder crédito a empresas aéreas.
O Ministério de Portos e Aeroportos estima que o fundo financiará cerca de R$ 5 bilhões para fortalecer as companhias aéreas em operação regular no país: Gol, Azul e Latam.
A princípio, o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) é o agente financeiro do FNAC no financiamento dos empréstimos, mas poderá também habilitar outros agentes financeiros, públicos ou privados.
Além disso, outra iniciativa do governo, o programa Voa Brasil, também pode ter um papel importante na recuperação das companhias.
A expectativa é que o programa aumente a demanda doméstica das companhias, com oferta de passagens a R$ 200,00 para aposentados e estudantes.
Segundo Daronco, o aumento dos custos e a pressão no mercado doméstico após a pandemia exigem incentivos que possam impulsionar a demanda e, consequentemente, ajudem as empresas a equacionar suas finanças.
“O setor hoje sofre muito e apresenta grandes dificuldades em operar sem qualquer tipo de ajuda ou incentivo governamental”, afirma Daronco.
Para ele, não há solução fácil para resolver a situação financeira da Gol e Azul.
“As medidas que podem auxiliar as companhias a saírem desse momento seriam exatamente essas relacionadas com incentivos governamentais ou algo nesse sentido”, comenta o analista.
Contudo, o CEO da Azul, John Rodgerson, descartou o eventual uso de recursos do FNAC para o pagamento de dívidas da companhia.
Ele garantiu que o crédito via esse fundo será para investimentos, como a compra de aeronaves.
“Nós éramos uma das únicas indústrias que não tinham uma linha de crédito junto com o governo. E agora temos. Isso permite que nós possamos comprar mais aeronaves”, declarou Rodgerson.
O que pode explicar o alto endividamento das empresas do setor aéreo?
Dívidas em dólar e receitas em real. Essa é a explicação mais clara para a crise financeira que sempre marcou as empresas do setor aéreo no Brasil.
Por causa disso, João Daronco, destaca que esse setor é o mais afetado quando o câmbio opera em alta. “Em momentos de maior aperto financeiro, com aumento do dólar, as aéreas são as companhias brasileiras que mais sofrem”.
Nesse sentido, esse cenário acentua a alavancagem operacional das companhias, como Gol e Azul, e consequentemente geram volatilidade em suas ações na bolsa de valores.
Neste ano, as ações AZUL4 já recuaram mais de 60%, o que fez a companhia perder ¼ do seu valor de mercado.
Enquanto as ações GOLL4 derreteram mais de 80% e tiraram mais de R$ 1 bilhão do seu custo de mercado.
Diante disso, Daronco adota uma postura cautelosa em relação aos investimentos no setor. “Eu prefiro ficar de longe, principalmente pela imprevisibilidade e pelos problemas estruturais do setor”, conclui o especialista.