sábado, 20 de abril de 2024
Artigo

Vem, Terceira Via

Por enquanto, não há uma pessoa que materialize esse desejo

22 setembro 2021 - 17h01Por Humberto Mariano

“O Brasil mergulhou na polarização, como nunca antes na história deste país (lembraram da expressão?), e restringiu o debate político a um Fla x Flu sem a magia e a emoção do verdadeiro. É preciso superar essa discussão estéril e fora do tempo entre bons e maus; capitalistas e comunistas, economia socialista e de mercado etc. O mundo mudou e os políticos brasileiros, trinta anos depois, ainda não perceberam”. 

Luís Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro têm, entre si, diferenças abissais em ideologia, estilo e temperamento. Quanto à ideologia, não há o que acrescentar ao que todo mundo já sabe e acompanha nos últimos sete anos, desde quando JB passou a ocupar espaço no noticiário político e nos programas humorísticos. A notoriedade do atual presidente só fez crescer nesse período, sem que isso diminuísse a visibilidade e o protagonismo do líder petista.

O estilo e o temperamento lulistas contemplam a afabilidade, um enorme poder de comunicação, o gosto pela conversa, a delegação de poderes – para o bem e para o mal – e um indisfarçável deslumbramento (e cooptação) pelas benesses do poder e do dinheiro.

Lula nos parece aquele sujeito pobre que ficou rico, sem sentimento de culpa. Não renega os amigos dos velhos tempos, mas se sente muito bem entre os novos. Transita de São Bernardo a Nova York com a mesma desenvoltura, que os inimigos chamam de “cara de pau”. 

Jair é diferente. Um sorriso forçado, uma “sinceridade” chocante; tem dificuldades em se expressar, prefere estar entre os seus, mostra um semblante permanentemente desconfiado e gosta de exibir autoridade. É verdadeiro quanto aos hábitos simples que exibe em público. Deve, mesmo, molhar o pão no café com leite. É possível que tenha uma garrafa térmica com café, já adoçado, no gabinete. Prefere um churrasco com picanha e cerveja em lata na Barra, ou num quartel, a um jantar num bistrô parisiense. Ponto para ele nesse quesito, mas podia pelo menos comprar uma boa long neck.

Entretanto, há muitas semelhanças entre esses rivais. Não são comunistas, claro. São populistas. Cada um a seu modo, atraem milhões de fanáticos seguidores e figadais inimigos. Estima-se que cada um tenha um eleitorado cativo em torno de 20%, ou seja, semelhantes até na quantidade de idólatras. Ambos têm aversão ao trabalho metódico e à leitura.

Lula pode ser visto segurando copos, Bolsonaro segurando armas, mas jamais serão vistos com um livro na mão ou lendo um relatório. Preferem ouvir os conselheiros, nem sempre bem-intencionados. Em comum, ainda, compartilham as sensações de onipotência e onisciência, mas isso os políticos, os neurocirurgiões e o Tite, também, têm.

Notem que muita gente não reza pela cartilha de nenhum deles. Podemos dizer que 60% dos brasileiros se sentem livres para julgá-los, a partir de suas ações e projetos, por suas qualidades e defeitos, e decidir, por conta própria, se devem ou não lhes confiar seus votos. E mais: há uma expressiva parcela da população que declara, de antemão, que não votaria em nenhum deles.

Em resumo, há espaço para outras candidaturas ou, no mínimo, mais uma candidatura viável, ou seja, com chances de vencê-los num eventual segundo turno. É o que estamos chamando de “terceira via”, expressão popularizada pelo primeiro-ministro inglês Tony Blair, no final dos anos 90, na tentativa de conciliar e agregar os não radicais do espectro político. 

Inexistência da Terceira Via

O problema reside no fato de que esse desejo de grande parte dos brasileiros não tem um nome, uma figura, que possa lhe dar concretude (existência). Temos, sim, vários pré-candidatos, mas nenhum deles consegue atingir os corações e as mentes de quase noventa milhões de eleitores ainda indecisos. Sim, indecisos, por mais que as pesquisas indiquem vantagens e preferências neste ou naquele candidato.

Não afirmo que as pesquisas estejam erradas; apenas refletem a desinformação da maioria da população sobre os outros candidatos. Culpa da população? Claro que não. A polarização, em nosso país, atingiu os níveis da América de Donald Trump.  Povo e imprensa só falam de Bolsonaro e Lula. Os outros candidatos só são mencionados, por obrigação legal, quando da divulgação de pesquisas, ou em suas próprias redes sociais. 

Eles próprios, ainda, não apresentaram, com clareza e abrangência, o que pensam para o Brasil. Dá até saudades do inesquecível Levy Fidelix, de quem, pelo menos, a gente sabia o que iria fazer: o aerotrem. Já Ciro Gomes, João Dória, Eduardo Leite e Henrique Mandetta, por ora os nomes cotados, soltam ideias vagas sobre os mais diversos assuntos, sem sequer esboçar um caminho. Deviam saber que sozinhos não chegarão a lugar nenhum, mas não dão um passo em direção à convergência. 
 
Ciro tem a vantagem de ter um partido coeso em torno de si, embora seja um partido de pouca representatividade e eleitores. É candidato pela terceira vez, tem recall e talvez chegue a 12%. É pouco para ir ao segundo turno. Eduardo Leite e João Dória são rivais e nenhum deles tem a confiança do partido. Um por flertar com Bolsonaro (natural, seu estado é mais pobre que São Paulo) e o outro pela vaidade e ambição excessivas.

Além da inveja natural que todo governador paulista desperta em seus pares dos outros estados. Fora desses três nomes, ainda não há opções à vista. Poderão surgir. Afinal, temos ainda treze meses para a eleição. O Brasil espera e precisa de alternativas, que ajudem a melhorar o debate político e apresentem possíveis soluções para as crises política, econômica e social que nos perseguem há décadas, com raros e brevíssimos intervalos de calmaria.

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