sexta, 29 de março de 2024

Cláusula de não concorrência: a quarentena nos negócios

Prática visa proteger o conhecimento de uma empresa após desligamento de um executivo

29 dezembro 2021 - 17h04
Cláusula de não concorrência: a quarentena nos negócios

Como diz o velho ditado popular, “o remédio mais eficaz é aquele que deixa o gosto amargo em nossas bocas”. Nessa linha se encontra uma disposição legal que vem ganhando popularidade nas contratações de pessoas que desempenham papéis estratégicos em uma empresa.

Atualmente, no contexto global, o grande diferencial de uma empresa não está apenas no seu produto ou serviço, mas sim no conhecimento (know-how) dos processos e desenvolvimentos que tornam a empresa única. Assim, existe uma crescente preocupação em manter sob sigilo informações obtidas em decorrência da função desempenhada por seus executivos, sendo que a panaceia do momento é a inserção de uma cláusula de não concorrência (non-compete) nos contratos de trabalho.

É certo que qualquer trabalhador, existindo ou não um contrato de trabalho, durante a vigência do vínculo empregatício, não pode exercer uma função que concorra ou conflite com o trabalho por ele desenvolvido na empresa contratante, e caso isso ocorra, fica configurada uma falta grave, passível de demissão por justa causa1 . Contudo, as cláusulas de não concorrência se destinam a endereçar o período após a extinção do vínculo empregatício, estabelecendo obrigações e proteções que devem ser observadas a partir de então.

A primeira e talvez a mais relevante das preocupações sobre a utilização das cláusulas de não concorrência está no fato de existir uma verdadeira lacuna legislativa sobre o tema. No ordenamento brasileiro não existe um dispositivo claro que verse sobre o tema, cabendo às decisões dos tribunais (jurisprudência) cumprirem esse papel. Assim, existem duas correntes sobre esse tema. 

A corrente minoritária possui uma visão restritiva, entendendo que esse tipo de cláusula se mostra inválida, uma vez que se choca com um dogma constitucional que estabelece a liberdade de exercer qualquer trabalho, oficio ou profissão2 , e por se tratar de um direito e garantia fundamentais, não se trata de um direito disponível.

Por outro lado, a corrente majoritária entende como válida a cláusula de não concorrência, desde que sejam atendidos determinados requisitos, de modo que a cláusula se mostre justa e equilibrada entre as partes, evitando eventuais abusos do empregador.

Tais requisitos são: (a) a existência de um prazo determinado para a não concorrência (variando de 6 meses a 2 anos, a depender da função e do nível estratégico de cada profissional); (b) a fixação da cláusula no momento da contratação do profissional, evitando qualquer tipo de aparência ou alegação de que o profissional foi coagido a aceitar tal restrição, sob pena de perder o seu emprego; (c) a existência de compensação financeira adequada; e (d) a limitação geográfica de aplicação da não concorrência.

Um ponto relevante a ser destacado é a questão da remuneração adequada. A utilização da cláusula de não concorrência exige, como consequência, que o (ex)empregador mantenha o pagamento de remuneração adequada às suas funções de determinado executivo pelo período determinado, sem que (ex) empregado tenha que trabalhar efetivamente nesse período. Esse é o tal “remédio amargo” a que a que nos referimos anteriormente!

O que se nota, na prática, é a existência de cláusulas de não concorrência que não observam os mencionados requisitos, em especial a questão da remuneração, deixando na maioria da vezes de fixar algum tipo de compensação ou, por vezes, fixando uma remuneração muito menor do que aquela que era auferida pelo profissional durante a vigência do contrato de trabalho.

Nesses casos o risco de questionamento da cláusula de não concorrência passa a ser ainda maior, pois, segundo a jurisprudência, se qualquer dos requisitos acima não estiver sendo atendido de forma satisfatória, é possível invalidar a mencionada cláusula, por falta de proporção e equilíbrio.

De fato, a utilização desse tipo de disposição é muito eficaz e protege a empresa do eventual desligamento voluntário de seus executivos para irem trabalhar na concorrência, mas é importante que sejam observados os mencionados requisitos e se evitar efeitos adversos.

Assim, pode se conferir à empresa uma maior segurança jurídica quanto aos gastos que terá com as “férias forçadas” impostas ao executivo que se desligue da empresa, remunerando-o para que cumpra essa espécie de quarentena empresarial (algo que por vezes pode parecer inconcebível para determinadas empresas, em especial as familiares).
 

[1] Artigo 482, alínea “c” da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

[2] Artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal: é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer

 

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