sexta, 29 de março de 2024
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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

O ódio ao STF é racional?

Decisões do STF têm provocado protestos recorrentes na sociedade. Mas será que são críticas justas? Entenda as atribuições do tribunal e julgue você mesmo.

24 fevereiro 2021 - 11h22
O ódio ao STF é racional?

Há, numa camada expressiva da sociedade,  uma repulsa às decisões do STF e seus ministros. Pode não ser majoritária, mas tem sabido amplificar seus protestos , àas vezes de forma truculenta e ao arrepio da lei, que dizem defender. Há base racional para esse movimento? Ou seria apenas uma luta ideológica?

Nenhum ser humano conhece todos os assuntos,  mas são  poucos os seres humanos que resistem à  tentação de discutir e dar opiniões  sobre qualquer assunto que lhe seja apresentado, ainda que essa apresentação venha de uma manchete lida apressadamente  na banca de jornais ou de uma grosseira fake news.  

Já  me vi discutindo e dando palpites sobre a melhor vacina para Covid-19OVID 19 e discorrendo sobre a inutilidade da cloroquina. Logo eu, que nunca tirei mais que a nota 6 em Biologia  no Ensino  Médio, e fugi, desavergonhadamente,  de qualquer carreira que exigisse essa disciplina na segunda fase do vestibular. 

Penso que ocorre o mesmo com a maior parte dos que discutem o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) nessa crise em que estamos metidos há  198 anos, com ligeiros intervalos de calmaria. Não  estou aqui para defender o STF e seus juízes. Reconheço uma parcela de razão  nas ácidas críticas que lhes são endereçadas.  

Excesso de personalismo, corporativismo e ativismo são  alguns dos males do STF, além da indisfarçável e exacerbada vaidade de alguns de seus membros. Também é  verdade que as mordomias e o nepotismo em sua estrutura agridem o senso comum e desmentem o republicanismo que o STF pretende representar. Por fim, não considero que os ministros sejam imunes a erros e falhas, inclusive, de ordem moral. Afinal, não são deuses, ainda que Marco Aurélio Mello divirja dessa interpretação.

Entretanto, as críticas mais pesadas e agressivas, que saem do âmbito da civilidade e até  da lei, concentram -se  muito mais nas decisões individuais  ou coletivas dos ministros  do que na estrutura e funcionamento do Tribunal e no comportamento dos ministros.  Pois são ,  justamente, as críticas às decisões, que demandam, por parte dos críticos e comentaristas, o mínimo de conhecimento das atribuições constitucionais do Tribunal. Elas estão, cristalinamente,  expostas no artigo 102 da Constituição Federal, de rápida e fácil leitura e interpretação. A grosso modo, ao STF cabe a guarda da Constituição —, guarda no sentido de zelo e proteção.

Lei e processos  

Na essência, a Suprema Corte julga as leis, de um lado, as leis e de outro,e os processos, de outro. Atos normativos, sejam leis ou decretos, federais ou estaduais, podem ter sua constitucionalidade questionada por qualquer agente, púublico ou privado, cabendo ao STF decidir sobre sua adequação ao texto e ao espírito da Constituição Federal.  Da mesma forma, o Tribunal decide sobre habeas corpus, mandatos mandados de segurança e de injunção quando referentes a pessoas e instituições sob sua exclusiva  jurisdição.  Por fim, decide sobre recursos de decisões de instâncias inferiores, quando estas, possam ter infringido dispositivos constitucionais.

O texto original da CF de 1988, por si, já era  prolixo, detalhista e buscava cobrir uma gama de assuntos, absurdamente  estranhos a um texto constitucional.  Não satisfeitos com tamanha quantidade de artigos e parágrafos, nossos congressistas já  aprovaram, nos últimos 32 anos, mais de uma centena de emendas constitucionais, além das dezenas ainda  em discussão. 

Quantidade, nesse caso, não significou qualidade. Redações confusas, fruto de discussões ralas e plenas de interesses  ideológicos e muitas vezes escusos. Sobra ao STF a imensa tarefa de interpretar, esse emaranhado de leis — e por vezes, legislar sobre ele sobre esse emaranhado de leis.  Qualquer briga de condomínio pode acabar no Supremo se uma das partes alegar ter sido ferida em seu direito constitucional, lembrando que são setenta e oito os direitos fundamentais expressos no artigo 5° da Constituição.

Caso emblemático

Há  alguns dias, defensores do deputado Daniel Silveira, entre inúmeras e raivosas manifestações, listaram os nomes  de centenas de políticos e empresários, muitos já condenados, que estão soltos ou em prisão domiciliar  por ação ou inação do STF. Questionaram, também, a legalidade do flagrante,  mas, principalmente, o cerceamento à  liberdade de expressão e à imunidade do parlamentar. 

Se, mesmo na condição de leigos que somos,  se dispusessem -se a ler a Constituição, veriam que não existe verdade absoluta em nenhuma das disposições que tratam desses temas. Eminentes e doutos juristas defendem interpretações distintas. Fica ao arbítrio  do cidadão escolher a corrente que mais lhe agrada. 

Os ministros do Supremo, por diferentes e insondáveis  razões, optaram pela interpretação de Alexandre de Moraes. Ah, mas eles interpretaram de modo diferente em outros casos. Pode ser. Se o legislador não foi objetivo, porque o julgador  o seria?

Pior sem ele

A Constituição e a maioria do STF se pretendem legalistas. Se o inciso LVII do artigo 5° diz que “ ninguém  será  considerado culpado até  o trânsito em julgado de sentença  penal condenatória”, então não se pode validar a prisão em segunda instância. Da mesma forma, os requisitos para a prisão preventiva, se levados ao rigor constitucional,  esvaziariam a maioria de nossas cadeias. 

O problema não está no STF e tampouco se espera perfeição nos textos legislativos. Acostumamo-nos a ver o rigor da lei ser usado apenas  contra o pessoal do PPP 521 (aqueles três P, que há 521 anos, no Brasil, são presos pela Polícia e pela Justiça). Não vai ser de uma hora para outra que vamos mudar isso. 

O Mensalão, em 2005, e a Lava Jato, a partir de 2014, foram pontos fora da curva. Nos dois casos, a maioria dos que hoje se queixam da leniência da Justiça, só  os apoiaram enquanto eram investigados e julgados os seus adversários ideológicos. 

A Lava Jato foi esvaziada e vilipendiada após cumprir um de seus objetivos:  aplainar o terreno para a ascensão da direita radical. Sergio Moro, embalado pelas bandeiras e camisetas amarelas na Avenida Paulista, chegou a sonhar com a Presidência. Hoje, fogem dele como de um leproso. A ingratidão é o fermento do bolo político; o fundo partidário, a cereja.

Acabar com o STF resolve? Lamento, não existe país civilizado sem Suprema Corte. Trocar os ministros? Imagino que sejam por outros homens e mulheres, que errarão e acertarão como todos. Ruim com o STF, pior sem ele. 

Tanto isso é  verdade que nem mesmo no período ditatorial (1968-1978), os militares cogitaram de seu fechamento ou sua extinção. A solução, como sempre, está na Política, mais precisamente, no Congresso, que tem o papel principal na elaboração de boas leis , — sem esquecer  que ele é  formado por seres humanos. Não esperem muito dessa espécie. 

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