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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

Há oportunidades que não se repetem

Deixar passar as oportunidades, no Brasil, é, na maioria das vezes, uma opção consciente das elites e do governo para preservar seus poderes

28 outubro 2020 - 12h19
Há oportunidades que não se repetem

“Há oportunidades que não se repetem. Deixar de aproveitá-las condena pessoas e nações a paralisia e atraso. São necessários liderança e esforços, conjuntos e corretamente direcionados, para superar séculos de ignorância e incompetência. No momento, faltam ao Brasil aqueles dois insumos; sobram alienação e desalento.”

Numa das minhas simplórias análises sobre as razões pelas quais o Brasil ainda não deu certo como nação — já decorridos mais de 500 anos de sua história — e, por consequência, não apresentar condições econômica e social compatíveis com suas imensas potencialidades, concluo que isso se deve a nossa crônica disposição em desperdiçar oportunidades.

Esse histórico desperdício de oportunidades permitiu que prosperassem, ao longo de nossa história, infindáveis mazelas, às quais, comumente, associamos nosso precário estágio de desenvolvimento. Ainda que hoje soe preconceituosa e cômoda a justificativa, não dá para negar o peso da colonização portuguesa na origem desse estado de coisas.

País de “coronéis”

Bastariam poucos e decisivos exemplos para referendar essa “culpa”: a proibição da impressão de livros e jornais e da implantação de manufaturas e a delegação dos deveres da educação à Igreja, ao invés de ser um projeto de governo. Do Descobrimento até a chegada da Família Real foram trezentos anos de obscurantismo e dependência, pelos quais pagamos até hoje.

Entretanto, o desperdício e a inapetência para o progresso não cessaram com a independência. Nossos dois imperadores, de temperamentos tão distintos, tinham em comum o desapreço pelo futuro. Governavam para o presente e com os olhos voltados para a Europa, onde mantinham laços e interesses. Deixamos de ser colônia de Portugal para ser entreposto comercial da Inglaterra.

Não se pode falar em mudanças significativas com a República, pelo menos em seus primeiros quarenta anos. As elites dominantes, política e econômica, em nada se alteraram. Saíram os condes, os marqueses e os barões; entram em cena os militares e sua vertente civil, mas armada, os “coronéis”. O Brasil continuou refratário à industrialização de sua economia e à educação das massas. Da mesma forma, a burocracia, o compadrio e a corrupção continuaram e, pior, eternizaram-se na sociedade brasileira. Ainda somos um país de “doutores” e do “você sabe com quem está falando?”.

Preservação do status quo

Que fique claro que deixar passar as oportunidades, aqui no Brasil, não é uma questão de falta de percepção delas ou de condições para realizá-las. É, na maioria das vezes, uma opção consciente das elites e dos governos para preservação de seus poderes, por meio da manutenção de um estado de letargia social e econômica. Vivemos num permanente e diversionista “conflito”, que impede discussões mais sérias a respeito de nossos principais problemas.

Avançamos, sim, do ponto de vista econômico, no século XX. Porém, a passos muito lentos, com avanços, recuos e sobressaltos. Não temos um projeto de futuro; não geramos nem quatro ou cinco estadistas em toda nossa história; nossas melhores cabeças recusam o sórdido ambiente da política nacional. E continuamos vivendo uma tragédia do ponto de vista social.

Deixamos passar o bônus demográfico que poderia nos levar a outro patamar de desenvolvimento. Entre os anos 1960 e 1990, éramos um país predominantemente de jovens e crianças, uma força de trabalho estupenda, destinada a formar um mercado produtor e consumidor como poucos países no mundo poderiam ter.

Entretanto, não cuidamos de propiciar formação profissional, cívica e moral que não tem nada a ver com patriotismo e ufanismo a esse enorme contingente de brasileiros. Envelhecemos, como país, rapidamente, num ritmo que o mundo desenvolvido não conheceu e, por isso, teve tempo de construir bases mais sólidas de desenvolvimento. O Japão é o maior exemplo: hoje um país velho, mas rico.

Velhos e pobres

Atualmente, temos em nosso país mais demanda de hospitais e outros equipamentos de saúde do que de escolas infantis e creches. É uma tendência irreversível e global. A educação, há muito, não demanda quantidade de vagas e, sim, padrões de qualidade e de modernidade adequados à nova economia planetária.

Não chegaremos à paridade com o mundo desenvolvido sem intensos e permanentes investimentos em ciência e novas tecnologias. Ao contrário, o que temos visto nas duas últimas décadas é o fosso entre sociedades ricas e pobres ampliar-se, significativamente, com as consequências conhecidas: êxodo de refugiados, imigrantes ilegais, fuga de capitais humano e financeiro, perpetuação da miséria e conflitos regionais por recursos naturais.

Enquanto isso, aqui em Pindorama, na falta de coisas mais importantes a se tratarem, discutem-se a obrigatoriedade e nacionalidade de vacinas, o cumprimento do Orçamento, a humilhação de nossos generais em troca de um contracheque de ministro, o boi-bombeiro, a prisão em segunda instância, a decretação do fim da corrupção, habeas corpus para bandidos, a próxima eliminação em “A Fazenda”, o VAR e o aerotrem do Levy Fidelix.

A propósito, alguém precisa avisar nosso eterno e simpático candidato Levy (que agora concorre ao cargo de prefeito de São Paulo) que o monotrilho Vila Prudente – Cidade Tiradentes já está quase concluído e é a mesma coisa que seu aerotrem, ou seja, um colossal desperdício de dinheiro e espaço com poluição visual semelhante ao Minhocão. Se não existe nada relevante ou irrelevante na superfície entre Vila União e Tiradentes, por que fazê-lo elevado? A resposta é watson-sherloquiana: para ficar mais caro e gerar mais comissões e aditivos, a saber, a tradicional e elegante forma tucana da velha e má corrupção.

Mas, sejamos otimistas: Marco Aurélio aposenta-se em Julho. Do resto, Deus cuida.

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

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