sexta, 26 de abril de 2024
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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

Chega de reformas

Melhorar a gestão dos recursos públicos já seria um enorme passo para superar nossas dificuldades

16 dezembro 2021 - 15h59
Chega de reformas

A primeira vez em que ouvi falar de reformas no Brasil, eu ainda era um menino. Alguns meses depois derrubaram o Presidente da República por causa delas. Eram as tais reformas de base, que reformavam quase tudo, mas o que assustava mesmo era a reforma agrária.

Caiu o governo, o país estava salvo do comunismo (naquela época existia) e o novo “governo” fez as suas reformas: a administrativa, a monetária, a tributária, a sindical, a política e a moral.  Acabou, de novo, com a corrupção. Implantaram-se, pela primeira vez, os bons costumes e a decência na nação e a vida seguiu, pelo menos para os que sobreviveram, ou seja, os que não foram cassados, caçados, exilados, presos, torturados, assassinados ou desaparecidos.

Ainda nesse “Governo de Salvação Nacional”, o Ministro Passarinho, da Educação, fez outra reforma: a da educação. Eu já era um rapazinho, mas sem idade e consciência para ir para as ruas protestar. Além do mais, nunca gostei de apanhar. Mas a estudantada mais corajosa foi. Apanhou, bateu, mas a reforma saiu.

E, hoje, culpam o Paulo Freire pelos nossos vergonhosos índices de aprendizado em quase tudo. Eu, que antes da reforma, estudei Latim, Arte Dramática, Música e Francês no Ginásio, Filosofia e Sociologia no Colégio, tenho que ler posts no Facebook − de gente “formada” −, que acha que só houve um Sócrates genial, aquele que, segundo esse mesmo povo, seria o inventor da democracia......corintiana.

Desde então, não houve um presidente que não tomasse posse prometendo reformas. E que não fizesse as suas. Foram cinco na Previdência, duas trabalhistas, uma por ano na política, três ou quatro supressões de zeros e nomes de moedas e uma ortográfica – que quase acabou com o pobre do hífen, mas não mexeu na privilegiada e insolente crase.

E o resultado de tudo isso? Todo mundo tem um celular para chamar de seu. Eu acho pouco, mas o mercado continua pedindo mais reformas. Mesmo sem responder quantos empregos adicionais foram gerados pela reforma trabalhista de 2018 ou quanto realmente vai ser (se for) economizado com a última reforma da Previdência, uma vez que até a Velhinha de Taubaté sabe que o déficit está nas aposentadorias do setor público, pouco incomodado com a tal reforma.

Péssimo gestor

O Brasil não precisa de reformas, como aliás, vem dando exemplos, há séculos, o setor privado.  Exceto a malfadada e, felizmente esquecida, reengenharia, que foi moda no início dos anos 90, o setor privado jamais reforma nada. Muda, sim, continuamente, aprimorando seus métodos de gestão, atualizando-os e adaptando-os às novas situações. Claro que há diferenças entre a gestão pública e privada, mas o objetivo é um só: o lucro e, por consequência, o crescimento.

Lucro financeiro para as empresas, lucro social para o setor público. Sem esquecer que o tal lucro social do setor público é gerado, em menor parte, pelo lucro econômico em suas atividades como empresário e, majoritariamente, pela correta gestão dos recurso arrecadados em tributos.

E aí é que está o problema. O Estado é um péssimo gestor. Por isso, parece estar precisando ser reformado a toda hora. Mas o Estado não é um ente isolado e único. O Estado pode ser a escola, o posto de saúde, o hospital, o ministério, a estrada, as agências do INSS, do BB ou da CEF e tantos outros serviços. Cada um com seu gestor e cada um com um objetivo.

Por isso, nos acostumamos a ver escolas públicas de excelente qualidade ao lado de outras, de um mesmo bairro, sem a menor condição de oferecer o básico de aprendizado. Todas recebem as mesmas verbas, seus professores e funcionários têm os mesmos salários e, no entanto, saltam à vista os resultados − e o aspecto − de uma e de outra. Vale o mesmo para hospitais públicos, quartéis, delegacias, universidades, empresas estatais, ministérios, secretarias etc. Vale para estados, municípios e para a União. 

Ficam escandalizados quando menosprezo o peso da corrupção no desastre que tem sido a economia brasileira pós 1980, com raríssimos e já longínquos períodos de crescimento no período. Corrupção sempre houve, desde 1500. Há quem acredite que ela foi extirpada em 1º de janeiro de 2019, mas fica a pergunta: onde foram parar os bilhões ou trilhões, segundo alguns, economizados com a restauração da moralidade e dos bons costumes?

Pelo que temos acompanhado nas discussões das PECs, disso e daquilo, ninguém sabe, porque continuam buscando recursos de todas as formas possíveis, inclusive com pedaladas, muito mais substanciais que aquele “café pequeno” que derrubou Dona Dilma.

Se o Presidente, seus ministros, os empresários e a população parassem de esperar pelas reformas e se dedicassem a melhorar a gestão daquilo que lhes competem, já teremos dado um enorme passo para superar nossas dificuldades. O governo cai na armadilha, ou na falácia da imobilidade, à espera de um Congresso que vota só o que lhe interessa e que, inclui, em qualquer projeto de lei ou Proposta de Emenda Constitucional, uma infinidade de medidas de interesses corporativos, de autoproteção e autofinanciamento lícitos ou ilícitos.

Foi assim na privatização da Eletrobrás, no asqueroso Orçamento Secreto e na PEC dos Precatórios, que, em princípio, buscava R$ 50 bilhões para o Auxílio Brasil e agora já alcança R$ 106 bilhões. Dinheiro grosso para os mais diversos usos, os quais, exceto o programa social, não tem nenhuma relação com investimentos públicos que gerem empregos e desenvolvimento.

E aguardem: vai voltar no início da próxima legislatura o projeto de aumento dos fundos Partidários e Eleitoral. E vai passar.  Afinal, Arthur Lira é, hoje, o grande fiador da República. Deus salve o Brasil. Feliz 2023 para todos. 

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