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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

A CPI do Fim do Mundo

Importa, mais do que punir, corrigir os rumos, propor medidas para a prevenção de futuras calamidades e valorizar o SUS, nele incluído o PNI

05 maio 2021 - 12h11
A CPI do Fim do Mundo

“Que as Comissões Parlamentares de Inquéritos, muitas vezes, servem de palanque para deputados e senadores, ninguém duvida. Mas, essa certeza não invalida o fato de que há muito a esclarecer sobre o que o Brasil e seus agentes públicos e políticos fizeram ou deixaram de fazer para que chegássemos ao momento atual da pandemia, trágico e imprevisível.”

Foi em março de 2020, que o mundo acordou para a COVID- 19. No dia 11 daquele mês, a Organização Mundial de Saúde declarou, oficialmente, a existência da pandemia. O surto fora detectado no final de dDezembro do ano anterior na China, causando sua primeira morte em 11 de janeiro. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em São Paulo, em 26 de fevereiro, e o primeiro óbito ocorreu no dia 12 do mês seguinte.

Desde então, já se passaram dezesseis meses, nos quais o assunto COVID domina, de forma só vista em tempos de guerras globais, as notícias e as conversas em todo o planeta. Nesse meio tempo, a Ciência avançou aos saltos, mais na vacina do que nos medicamentos, e vem fazendo seu papel de maneira admirável.

Igualmente, os profissionais da saúde, em todos os níveis, mostraram sua importância e seu comprometimento com os objetivos dignificantes de suas profissões. Mesmo a imprensa, tão vilipendiada, cumpre o importante papel de informar e conscientizar as pessoas com constantes atualizações e alertas, ainda que, para alguns, soem como alarmismo e perseguição às “impolutas e competentes” autoridades.

Nesse cenário surge a CPI da COVID. Lembrando que a CPI é um recurso parlamentar constitucional, em geral utilizado pela oposição, para cobrar responsabilidades e sugerir penalidades ao Poder Executivo sobre tema determinado e específico. Em razão do requerimento de instalação de uma CPI exigir a assinatura de apenas um terço dos parlamentares, torna-se um instrumento acessível à minoria e, portanto, desagradável a qualquer governante. Nada impede, entretanto, que a situação, ou a maioria, requeira a instalação de uma CPI —, mas esses casos são mais raros.

Início ruim para o Governo Federal

Começaram, no Senado Federal, nesta semana, os trabalhos da CPI da COVID 19., Ultrapassados os embates de sua criação e de sua composição, é hora de debater e votar requerimentos de informações, de convocações de testemunhas e ouvir os depoentes para que, ao final, seja elaborado, votado e aprovado o relatório final. Tudo isso dentro do prazo de noventa dias, que, muito provavelmente, serão prorrogados, e sob o escrutínio permanente da imprensa e as onipresentes câmeras de televisão, para deleite dos senhores parlamentares.

Do ponto de vista político, chamam a atenção as sucessivas derrotas do Governo nos primeiros passos da CPI. Apesar da confortável maioria que tem nas duas casas legislativas, não conseguiu obstar a sua criação, nem garantir a maioria entre os membros componentes da comissão. Perdeu, inclusive, os cargos de maior importância e influência. Os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, respectivamente, presidente e relator da CPI, já deixaram claro a orientação antigoverno federal, que pretendem dar aos trabalhos. Basta examinar a lista dos primeiros convocados.

O Governo Federal tentou e conseguiu, em certa medida, estender as investigações até os governadores e os prefeitos. Está correto. Houve, e continua havendo, falhas de gestão, grossas incompetência e corrupção com desvios de recursos em vários estados e municípios, assim como na própria União. De outro lado, também, estão no caminho certo os dirigentes da CPI ao priorizar as investigações nos atos do Governo Federal. 

Responsabilidades e novos rumos

Foi exatamente no núcleo central do Poder Executivo Federal, que se concentraram os maiores erros e omissões no combate à pandemia e seus efeitos. Erros gravíssimos com consequências devastadoras para a saúde e a economia do país. Se acertou, em parte, ao lidar com os efeitos imediatos sobre o sustento de pessoas e empresas, adotando as medidas de auxilio emergencial e preservação de empregos, errou, de maneira bastante crassa, ao adotar posturas negacionistas e diversionistas e, principalmente, ao subestimar o impacto da pandemia na vida dos brasileiros. 

Por muito tempo, o governo central menosprezou a questão das vacinas. Primeiro, negando a eficácia da “vacina chinesa”, chegando a comemorar um falso acidente na fase de testes; depois atrasou o inicio das negociações com os laboratórios sob o infeliz argumento de que nós é que deveríamos ser cortejados por aqueles. Com o Instituto Butantã, além da citada comemoração, a birra foi mais além: o então ministro da Saúde foi desautorizado e humilhado, publicamente, sendo obrigado a negar a contratação de doses da vacina feita no dia anterior.

Agora, na fase da vacinação, o ministério perde-se em orientações confusas e logística ineficiente, justamente numa área em que o Brasil sempre foi padrão de excelência com o seu festejado e eficientíssimo Programa Nacional de Imunização.

Desperdiçar recursos com remédios não reconhecidos cientificamente nem é o maior pecado. Pode-se argumentar que, diante de tamanha calamidade, todas as opções deveriam ser consideradas e que deve, sempre, prevalecer a autonomia do médico no tratamento de seus pacientes. 

Pior é continuar essa inútil discussão já superada em todo o mundo civilizado. Piores são as barbeiragens diplomáticas de ministros, autoridades e familiares, que atrasam a chegada de matérias- primas e equipamentos essenciais; vergonhoso é clamar contra medidas de isolamento, preconizadas e realizadas, com razoável sucesso, no mundo inteiro. Grotesco é favorecer aglomerações e manifestações de poucos privilegiados, ora em desespero, por conta de perdas, que a maioria da população sofre desde sempre.

Infame é minimizar e naturalizar as mortes, tendo-as como naturais e inevitáveis, mesmo diante do sofrimento de milhares de famílias. Danoso é escudar-se numa falsa e tendenciosa interpretação da decisão do STF, que permitiu estados e municípios de tomar e gerir as suas próprias medidas de isolamento. Nada mais óbvio e natural dada as dimensões e a diversidade de um país continente, mas o governo federal prefere dizer que a medida o impediu de agir em vários outros temas, o que é, absolutamente, falso e irresponsável.

Agora os dados estão lançados. Torçamos, ainda que escaldados pelo passado, para que a Comissão chegue aos resultados desejados. Que não se faça do pobre, desmoralizado e incompetente Pazuello, o bode expiatório dessa triste situação. Importa, mais do que punir, corrigir os rumos, propor medidas para a prevenção de futuras calamidades e valorizar o SUS, nele incluído o Programa Nacional de Imunização. É o que a nação deseja e precisa.
 

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