O grande maestro Tom Jobim, que teve uma vasta obra musical, por vezes se traçava análises por outros campos da vida brasileira. Em uma das célebres frases, ele assim cunhou: “O Brasil não é para principiantes.” Muitos devem conhecer essa mesma frase com a versão repaginada, como “O Brasil não é para amadores”. Seja de uma forma ou de outra, resta claro que as dificuldades que o Brasil vem enfrentando, essa frase lapidar precisa de uma nova atualização. Talvez a melhor expressão seja: “O Brasil é uma terra de especialistas, com muita resiliência”.
Não se trata de uma pretensão querer atualizar uma frase tão icônica como a mencionada acima; trata-se de uma verbalização de algo que podemos observar em nosso cotidiano.
Quando analisamos a trajetória do empresariado brasileiro, é muito comum serem rotulados como heróis outros que preferem um aditivo um pouco mais visceral: “loucos” por terem a perspicácia de enfrentar tantas dificuldades.
Entre as principais dificuldades estão a alta carga tributária, que onera significativamente as operações, e a complexidade do sistema burocrático, que muitas vezes atrasam processos e aumentam os custos de conformidade. Além disso, o acesso ao crédito ainda é limitado para pequenas e médias empresas, dificultando investimentos em inovação e expansão.
A instabilidade econômica e as variações cambiais também contribuem para um ambiente de incerteza, dificultando o planejamento de longo prazo. Esses fatores, combinados, como o emaranhado regulatório, uma justiça consumerista paternalista — sem falar na justiça do trabalho, que, mesmo após a reforma trabalhista, ainda nos premia com casos escalafobéticos de exacerbada proteção do trabalhador, onerando de sobremaneira as empresas.
Uma pesquisa do Sebrae, por exemplo, apontou que, no setor de comércio, mais de 30% das empresas encerram suas atividades nos primeiros 5 anos de existência, um dado que nos faz refletir muito.
Não fosse os muitos problemas já listados, ainda temos mais uma “jabuticaba” que os empresários brasileiros precisam lidar: as instituições bancárias. A princípio, as instituições bancárias deveriam integrar o sistema para prover liquidações, caminhos e possibilidades de, por meio de produtos customizados, apoiarem as empresas frente a uma necessidade de grande valor: a necessidade de capital.
Contudo, o que se observa é o oposto. Os bancos não estão no cenário para apoiar as empresas; na verdade, querem garantir uma “fatia do bolo”, de preferência uma fatia volumosa, portentosa e, claro, com o menor ou nenhum risco possível.
Os bancos emolduram as relações com as empresas para maximizar os seus ganhos, apresentando produtos que, na maioria dos casos, não encontram nenhum tipo de correlação com a real necessidade das empresas, fazendo com que essas contraiam empréstimos que se mostram impossíveis de serem honrados.
Sem alternativas, para sobreviver, as empresas passam a deixar de pagar seus impostos correntes, passam a antecipar todos os seus títulos, entrando numa ciranda que só leva as empresas a um único lugar: o cemitério dos derrotados.
No limite, para aquelas empresas que eventualmente buscam uma alternativa no ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, ingressar com um procedimento de recuperação judicial, são demonizadas, criando um folclore popular de que usar um remédio legal como o mencionado seria algo errado, a não ser seguido, que eventualmente macularia os empresários para todo sempre.
A boa notícia é que, assim como as lendas urbanas, estamos diante de mais uma. Como poderia um remédio legal como a recuperação judicial gerar um mal para eventual empresa que se utilizasse? Seria o mesmo que dizer que a utilização de um antibiótico iria agravar um paciente, quando o resultado é diametralmente o oposto.
Um dos maiores especialistas em recuperação judicial atualmente no Brasil, Dr. Marcos Pelozato Henrique, em uma de suas palestras: “A Recuperação Judicial não é um “Bicho-Papão”, é uma solução, um remédio legal, de extrema eficácia, que visa preservar a empresa, os empregos e a economia, fazendo com que a empresa se recupere e volte a prosperar novamente”.
Essa reflexão, inclusive, é o princípio basilar que norteou a Lei nº 11.101/2005, Lei da Recuperação Judicial e Falências, pois, ao permitir que a empresa organize seus débitos e negocie prazos com os credores, a legislação busca dar uma nova chance para que ela continue operando e gerando valor.
Outro aspecto importante é que a recuperação judicial promove a transparência e o diálogo entre as partes envolvidas. Durante o processo, a empresa apresenta um plano de recuperação, que deve ser aprovado pelos credores em assembleia. Essa participação ativa ajuda a criar soluções mais viáveis e justas, fortalecendo a confiança no sistema jurídico e na economia.
Vale destacar que a legislação brasileira também estabelece critérios rigorosos para a concessão da recuperação judicial, garantindo que apenas empresas que realmente demonstram potencial de recuperação possam usufruir desse benefício. Assim, evita-se o uso indevido do instituto, protegendo os interesses dos credores e mantendo a integridade do mercado.
Em suma, o empresário precisa exercitar mais uma vez sua resiliência e tomar mais uma dura decisão de eventualmente manejar o recurso legal da recuperação judicial. Contudo, não se pode ter receio ou vergonha de se valer de um remédio legal. Assim como a ave mitológica Fênix, que ressurge de suas próprias cinzas, por vezes é necessário aceitar e enfrentar as dificuldades, e mesmo aceitar que é momento de se buscar ajuda, mas com o sentido de propiciar um verdadeiro recomeço, um caminho de fato para retomar a prosperidade e paz de espírito para empresariar.
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