quinta, 25 de abril de 2024
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CVM discute alterar critério de investidor qualificado: o que mudaria, na prática?

Mudanças sugeridas pela autarquia visam ampliar alternativas dos investidores no mercado de capitais brasileiro

31 agosto 2021 - 12h34Por Lucas de Andrade

Em julho deste ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou estudo em que, entre outras mudanças, propunha flexibilizações na classificação de investidor qualificado.

A discussão surge após o crescimento expressivo no número de pequenos investidores que começaram a investir em valores mobiliários (ações, fundos de investimento, entre outros) nos últimos anos. 

De acordo com dados da B3 (B3SA3), a bolsa brasileira, o número de contas ativas de pessoas físicas passou de 620 mil, em dezembro de 2017, para 1,7 milhão, dois anos depois. Ao fim de 2020, o número disparou para 3,2 milhões de investidores.

Em reação a esse movimento, as mudanças sugeridas pela autarquia buscam ampliar as alternativas dos investidores no mercado de capitais brasileiro, já que algumas aplicações são, atualmente, restritas a pessoas com mais de R$ 1 milhão em ativos financeiros.

Na SpaceDica a seguir, vamos entender mais sobre as mudanças do critério de investidor qualificado e os efeitos concretos no caso de a proposta ser implantada.

Então, quem serão os investidores qualificados?

De acordo com a nova proposta, os investidores qualificados, que hoje são aqueles que detêm, ao menos, R$ 1 milhão em aplicações financeiras, incluam também os que possuírem ativos no limite mínimo de R$ 627 mil.

A CVM diz que isso faria com que o valor mínimo dessa categoria caísse de 957 salários mínimos para 600 salários mínimos.  

Segundo Bruno Luna, chefe da Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos da CVM, a mudança tornaria o patrimônio necessário para qualificação mais alinhado à experiência internacional (ver comparação entre países no quadro abaixo).

Critérios monetários de qualificação de investidor em diferentes países

Em 2015, o valor para se enquadrar na classificação de investidor qualificado foi elevado de R$ 300 mil para o atual patamar de R$ 1 milhão. 

Na mesma ocasião, o investidor profissional, na época chamado de “superqualificado”, passou a ser apenas quem tivesse R$ 10 milhões em aplicações, bem acima do montante de R$ 1 milhão exigido até então.

Para Luna, a mudança representaria, ainda, a possibilidade de oferta de produtos mais arrojados a um número maior de investidores. Um estudo, realizado com 5.000 entrevistados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mostrou que 49,5% das pessoas estavam pouco satisfeitas com os produtos financeiros disponibilizados. 

Ele explica que ainda acrescenta-se um critério de fluxo com base nessa mesma observação a partir do exemplo de outros países. “Se você definir um patamar muito alto, você privilegia os mais velhos, que têm mais tempo de mercado e acúmulo de renda ou herdeiros”. 

Foi proposta, então, uma norma em que o investidor que atingisse em torno de 15 salários mínimos mensais, na média, dentro de um ano, estaria apto como “qualificado” para fins de investimento.

Henrique Garcia, head de Mercado de Capitais do Grupo Eu Me Banco, avalia que a medida seria positiva não só para o investidor final, mas também para empresas que emitem títulos com o objetivo de arrecadar capital.

Garcia acredita que a CVM deve realizar novas pesquisas para continuar a entender melhor as necessidades dos investidores brasileiros e “chegar a um consenso que seja benéfico para quem investe e para o mercado”, em caso de resistência por parte de uma parcela do público.

Mudança de perfil

O estudo da CVM esteve atento também ao perfil atual dos investidores qualificados. Em sua maioria, são os que têm maior renda mensal e maior valor investido. São também mais velhos e detêm mais conhecimento e tempo de investimento.

Já os investidores de varejo, como são chamadas hoje as pessoas com ativos financeiros em valor menor que R$ 1 milhão, poupam mais e estão cada vez mais interessados em aplicar novas modalidades.

“Nas respostas da pesquisa com os investidores, foi visto que 65% dos que ganhavam mais de dez salários mínimos não eram investidores qualificados pelo critério de patrimônio, mas mesmo assim apresentavam ter um conhecimento razoável sobre investimentos financeiros, que justificaria a sua classificação como investidores qualificados. Além disso, é importante observar que a renda mensal já é utilizada pelos bancos comerciais para segmentar os clientes e oferecer produtos mais diferenciados aos clientes com maior renda”, diz o material.

No curto prazo

Henrique Garcia avalia que o atual ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, e as incertezas políticas em ano pré-eleitoral não devem atrapalhar as ambições da CVM com a revisão da classificação.

“Com a Selic nesse patamar (de 5,25% ao ano), os investimentos em renda variável ainda são mais atrativos – vale mencionar que a taxa de juros baixa faz com que os investidores, mesmo pequenos, aceitem correr mais risco em busca de rentabilidades mais atrativas. Enquanto a taxa básica de juros brasileira estiver baixa, os investidores vão buscar produtos financeiros mais rentáveis nos portfólios de bancos e corretoras”, acredita.

Benefícios

Segundo Garcia, além de possibilitar acesso a produtos com rentabilidade mais atrativa, devido ao maior risco atrelado, outro ganho imediato seria o fato de que muitos dos ativos hoje restritos a quem tem R$ 1 milhão em aplicações financeiras serem via fundos, nos quais um gestor certificado, com experiência e domínio sobre o assunto, se responsabiliza pela compra e venda dos ativos. Com isso, as gestoras tendem a ganhar mais espaço.

Diversificação

Garcia avalia ainda que a alteração no critério de investidor qualificado facilitaria o acesso a produtos como FIDCs (Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios), FIPs (Fundo de Investimentos em Participações), os FIEs (Fundo de Investimento no Exterior), que alocam 100% do patrimônio em ativos do exterior, e CRIs (Certificado de Recebíveis Imobiliários). 

“O investidor busca esses ativos com o objetivo de conseguir uma rentabilidade mais atrativa, devido ao alto risco atrelado a eles. E uma das maneiras de minimizar o risco da carteira de investimentos é através da diversificação. Quanto mais investidores aplicarem seus recursos nesses ativos, mais produtos de investimentos serão criados pelas instituições financeiras para atender a alta da demanda”, diz.

Cabe ressaltar que, apesar de concluído o estudo, a Comissão de Valores Mobiliários ainda vai realizar uma sequência de debates até que seja, enfim, definida a necessidade de uma nova resolução com a aprovação do tema caso haja consenso.

Valores mobiliários disponíveis para cada tipo de investidor atualmente