Robin Hood é um lendário herói folclórico inglês, entrou para os livros de histórias como um fora da lei habilidoso no arco e flecha que roubava dos ricos para dar aos pobres, vivendo na Floresta de Sherwood com seus “Homens Alegres”. Ao invés de floresta, trocamos o cenário por Brasília, ao invés de arcos e flechas, temos papel, caneta e a lei, ou melhor, as entre linhas da lei. Pronto, de forma habilidosa e única, o Brasil criou seu nome Robin Hood, que tira dinheiro dos ricos para colocar na mão do governo, com contornos populista e de justiça fiscal.
Parece um clichê, mas o cenário fiscal brasileiro atravessa um momento de profunda inflexão, marcado por uma evidente e crescente voracidade arrecadatória por parte do Estado. A recente aprovação do Projeto de Lei 1.087/25 aprovada na Câmara dos Deputados em tramitação no Senado Federal (com forte inclinação de aprovação), que institui a tributação sobre lucros e dividendos, é a mais recente manifestação dessa tendência. Sob o pretexto de promover a “justiça fiscal”, o governo avança sobre o capital e a poupança privada, inaugurando um capítulo que, para muitos especialistas, representa apenas o início de uma escalada tributária com contornos perigosamente populistas e um viés de vilanização da riqueza.
Do ponto de vista técnico, o projeto estabelece uma alíquota de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a distribuição de lucros e dividendos que excedam R$ 50 mil mensais a uma mesma pessoa física. A medida, que quebra um paradigma de isenção que vigorava desde 1996, é apresentada como uma compensação para a ampliação da faixa de isenção do IRPF para quem ganha até R$ 5 mil. Contudo, a engenharia fiscal proposta é mais complexa e revela suas verdadeiras intenções nas entrelinhas.
O texto vai além e cria uma sistemática de “imposto mínimo” com alíquotas progressivas, que podem chegar a 10% para contribuintes com rendimentos anuais superiores a R$ 1,2 milhão. Esta camada adicional de tributação, que incide sobre uma base de cálculo alargada, incluindo rendimentos hoje isentos, sinaliza uma clara intenção de expandir o alcance do Fisco sobre o patrimônio do contribuinte, muito além da simples renda auferida.
É neste ponto que a análise jurídica se torna crucial. Diversos juristas apontam que o chamado “Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo” (IRPFM) se assemelha, em essência, ao Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), um tributo previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, porém jamais regulamentado. A manobra legislativa para instituí-lo por meio de lei ordinária, e não por lei complementar, como exige a Constituição Federal, configura o que pode ser classificado como um “jeitinho” inconstitucional.
Essa distinção não é mero formalismo. A exigência de lei complementar para a instituição do IGF demanda um quórum de aprovação mais elevado no Congresso Nacional (maioria absoluta), refletindo a sensibilidade e o potencial impacto de um tributo sobre o patrimônio. Ao contornar essa exigência, o governo não apenas demonstra um questionável apreço pela ortodoxia constitucional, mas também abre um precedente perigoso para a criação de novas obrigações tributárias sem o devido processo legislativo agravado.
A narrativa oficial de “justiça fiscal” se fragiliza ainda mais quando se observam os dados da realidade tributária brasileira. Estudos demonstram que diversas categorias da classe média, como professores e policiais militares, já arcam com alíquotas efetivas de Imposto de Renda superiores aos 10% que agora se pretende impor aos mais ricos. Enquanto um professor de ensino médio pagou, em média, 10,5% de IR em 2023, a alíquota efetiva para os super-ricos (com renda acima de R$ 5 milhões mensais) foi de apenas 5,67% no mesmo período. A nova lei, embora se proponha a corrigir distorções, é tímida e insuficiente para reverter essa disparidade histórica.
Ademais, o projeto contém exceções que levantam debates sobre a isonomia do tratamento. A manutenção de benefícios fiscais significativos para o setor do agronegócio, por exemplo, cujos produtores continuarão a ter 80% de seu resultado isento do cálculo do imposto mínimo, soa como uma concessão política que destoa do discurso de que “os ricos pagarão mais”. Essa seletividade mina a credibilidade da reforma e reforça a percepção de que a sanha arrecadatória possui alvos pré-definidos.
O argumento de que tal política poderia levar a uma fuga de capitais é frequentemente rebatido com dados que mostram um baixo percentual de milionários deixando o país. No entanto, o risco não reside apenas na evasão física, mas na inibição do investimento, na redução da poupança e no desestímulo ao empreendedorismo. Um ambiente de negócios hostil ao capital, onde as regras do jogo podem ser alteradas por conveniência política, é um ambiente que repele a prosperidade.
Em suma, o PL 1.087/25, embora possa representar um avanço marginal na tributação de rendas do capital, o faz por vias tortas e questionáveis e com uma ambição que parece exceder a busca por equilíbrio fiscal. Ele revela uma mentalidade que enxerga o contribuinte, especialmente o de maior capacidade econômica, como uma fonte inesgotável de recursos para um Estado cada vez mais gastador, sem compromisso fiscal.
Ao invés de “heróis” vestidos de capuz verde e com apetite de leão por arrecadar mais e mais impostos, um país prospero se faz de heróis anônimos, de empresários que decidem investir, empregar e gerar emprego, e continuam acreditando que somos o país do futuro. E o pior de tudo, esse filme está só no começo, ainda veremos mais capítulos de novas “justiça fiscal” sendo feito com o chapéu alheio, ou melhor, com o capuz alheio.
Tales de Moraes Moreno é advogado com mais de 15 anos de experiência do mercado empresarial, já atuou nos principais escritórios de direito empresarial do país, professor e colunista do portal SpaceMoney.
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