Ilustração de Prometeu segurando tocha enquanto lê um livro com a sigla CLT, simbolizando conhecimento trabalhista.
Representação simbólica de Prometeu iluminando o conhecimento jurídico na CLT.

Prometeu, um dos Titãs da mitologia grega, é tradicionalmente visto como o criador da humanidade e seu maior benfeitor. Preocupado com a fragilidade dos seres humanos, ele desafiou Zeus ao roubar o fogo divino e entregá-lo aos homens. Como punição eterna, Zeus determinou que Prometeu fosse acorrentado a uma montanha, onde uma águia devorava seu fígado diariamente, ao longo do dia seu fígado regenerava, para ser devorado novamente no dia seguinte, em um ciclo eterno de tormento. Essa narrativa o consagrou como uma figura de rebeldia e sacrifício em nome da humanidade.

Na mitologia, o fogo que Prometeu concedeu simboliza o conhecimento, a técnica, a razão e a capacidade humana de transformar o mundo. Ao trazer o fogo, Prometeu deu aos mortais os instrumentos para o progresso — desde a metalurgia e os primeiros ofícios até a ciência e a filosofia. No mundo empresarial brasileiro o fogo representa um amplo conhecimento da legislação brasileira, para que possa navegar pelas brechas e possibilidades, para as melhoras tomadas de decisão, em especial aumentando a rentabilidade de seus negócios.

Quando analisamos os aspectos trabalhistas, por força da denominada “Reforma Trabalhista”, implementada durante o governo Temer (introduzida pela Lei nº 13.467/2017), representou um dos mais significativos marcos na modernização da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT no Brasil. Com o objetivo de flexibilizar as relações de trabalho, reduzir o denominado “custo Brasil” e adequá-las às novas realidades econômicas, a legislação introduziu diversas inovações. Entre as mais notáveis está a criação do conceito de profissional hipersuficiente (que será definida a seguir), uma figura que desafia a tradicional presunção de vulnerabilidade do empregado e estabelece uma nova dinâmica de negociação contratual, conferindo maior autonomia a uma categoria específica de trabalhadores.

Historicamente, o Direito do Trabalho brasileiro foi construído sobre o princípio da proteção ao trabalhador, considerado a parte hipossuficiente (vulnerável) da relação de emprego. Essa premissa justifica a forte intervenção estatal e a indispensabilidade dos sindicatos nas negociações, visando equilibrar a disparidade de poder entre empregador e empregado. A CLT, em sua essência, foi desenhada para garantir um patamar mínimo de direitos, limitando a autonomia da vontade individual para proteger o trabalhador de imposições que pudessem ser prejudiciais.

Rompendo parcialmente com essa lógica, a referida reforma instituiu, no parágrafo único do artigo 444 da CLT, a figura do empregado hipersuficiente. Para se enquadrar nesta categoria, o profissional deve atender, cumulativamente, a dois requisitos objetivos: (a) possuir diploma de nível superior; e (b) perceber salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Essa definição legal parte do pressuposto de que tais trabalhadores, por sua elevada qualificação e patamar remuneratório, que atualizado com base nos valores divulgados pela previdência, representa um salário mensal superior a R$16.000,00 (dezesseis mil reais), possuem maior discernimento e poder de barganha.

A lógica por trás dessa distinção é a de que o profissional hipersuficiente não se encontra na mesma condição de vulnerabilidade que a maioria dos trabalhadores. Sua alta qualificação e remuneração elevada conferem-lhe uma posição mais equilibrada para negociar diretamente com o empregador, sem a necessidade da tutela sindical para defender seus interesses. A lei presume que esse empregado tem capacidade suficiente para estipular livremente as condições de seu contrato de trabalho, de forma consciente e informada.

A principal consequência prática dessa classificação é a possibilidade de celebração de acordos individuais com eficácia de norma coletiva. Para o profissional hipersuficiente, o acordo individual escrito prevalece sobre a lei e até mesmo sobre os acordos e convenções coletivas, um princípio conhecido como “negociado sobre o legislado”. Isso representa uma mudança paradigmática, pois permite que as partes ajustem as regras do contrato de trabalho de forma a atender às suas necessidades específicas, conferindo uma flexibilidade antes inexistente no âmbito individual.

O rol de direitos que podem ser objeto dessa negociação direta é extenso, tais quais, por exemplo, versar sobre adoção do regime de teletrabalho, definição de planos de cargos e salários ou remuneração por produtividade. Contudo, é fundamental ressaltar que essa autonomia negocial não é ilimitada. A própria legislação estabelece um núcleo de direitos que são considerados indisponíveis e, portanto, não podem ser objeto de redução ou supressão por meio de acordo. O artigo 611-B da CLT elenca esses direitos, que incluem o pagamento de décimo terceiro salário, o gozo de férias anuais remuneradas dentre outros. Essa salvaguarda garante que, mesmo para o hipersuficiente, os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal sejam preservados.

Essa medida não apenas valoriza a autonomia individual do profissional qualificado, mas também permite que as empresas criem pacotes de benefícios e condições de trabalho mais atrativos e customizados para reter talentos, bem como estabelece segurança jurídica sobre a relação a esses profissionais.

Em suma, a introdução do conceito de profissional hipersuficiente pela Reforma Trabalhista reflete uma evolução do Direito do Trabalho, que passa a reconhecer as diferentes realidades dentro do mercado. Ao invés de um modelo único e rígido de proteção, a CLT agora adota uma abordagem mais segmentada, conferindo maior liberdade e autonomia àqueles com maior poder de negociação, sem, contudo, abandonar o núcleo de proteção essencial a todos os trabalhadores. Trata-se de um novo equilíbrio na balança entre capital e trabalho, mais alinhado às complexidades da economia moderna. Se revela natural uma certa resistência dos empresários em tratar desse tema, mas o fogo foi revelado e avanços foram efetivamente conquistados, cabendo agora, utilizar essa dádiva para melhor organizar as relações de trabalho, bem como profissionais certos com os caminhos e conhecimentos para isso.

Tales de Moraes Moreno é advogado com mais de 15 anos de experiência no mercado empresarial, já atuou nos principais escritórios de direito empresarial do país, professor e colunista do portal SpaceMoney.