quarta, 24 de abril de 2024
Entrevista

"BC foi realista ao elevar taxa a 2,75%", diz economista-chefe da Necton

Para ele, que esperava 0,50% de alta, o tom do comunicado foi "acertado" ao antecipar parte da elevação já prevista para as próximas reuniões até o final do ano

18 março 2021 - 16h32Por Investing.com

Por Ana Carolina Siedschlag, da Investing.com - O comunicado do Banco Central foi realista e a alta de 0,75 ponto percentual da taxa Selic, além de fazer sentido em relação à perspectiva da inflação para os próximos doze meses, também mirou dar algum alívio ao câmbio, disse André Perfeito, economista-chefe da Necton.

Para ele, que esperava 0,50% de alta, o tom do comunicado foi “acertado” ao antecipar parte da elevação já prevista para as próximas reuniões até o final do ano, considerando que a inflação pode chegar perto de 7% em maio ou junho. Ele espera mais três altas de 0,75%.

Ontem à noite, o Comitê de Política Monetária do BC brasileiro elevou a taxa básica de juros para 2,75%, no primeiro aperto monetário em quase seis anos e acima do consenso do mercado.

Segundo Perfeito, parte da decisão também parece ser para amenizar a pressão do câmbio nos IGPs, já que a forte desvalorização do real ante o dólar americano se tornou “um problema agudo”.

Confira a entrevista completa:

Investing.com: Por que entendeu o comunicado como acertado?

André Perfeito: Eles foram bastante realistas, apontaram riscos no setor externo, como a questão do aumento do rendimento dos títulos dos EUA, além de receios de inflação, que fizeram os juros subirem por lá. Internamente, apontaram para os riscos da inflação, como as expectativas não estão muito bem ancoradas e não compatíveis com o cumprimento da meta.

Eu acho que foi um exagero certo elevar 0,75% porque a inflação de curto prazo está muito forte e as variações dos próximos doze meses tendem a continuar muito fortes. Lá por maio, junho a inflação deve chegar a 6% ou 7% ao ano. Se eles não começassem a subir a taxa de juros mais rapidamente, poderia ter um risco lá na frente. Imagina a comoção no mercado financeiro com uma inflação a 7% e uma taxa de juros subindo devagar, ou não tão rápido.

Inv.com: Então com qual velocidade devem subir agora?

AP: O tamanho do ajuste continua o mesmo. Vemos a Selic a 5% no final do ano, mas não no ritmo de altas de 50 a 50 que imaginávamos, mas três de 75 à frente, o que tende a organizar um pouco a curva de juros. Aliás, eu esperava antes que uma alta junto a uma sinalização mais robusta pudesse jogar os juros longos para baixo. Não caíram tão forte, ou pelo menos não por enquanto. O mercado talvez ainda esteja tentando entender a transição do Banco Central para controlar a inflação.

Inv.com: O que o BC passou no comunicado em relação à leitura da atividade econômica?

AP: Que os dados do final de 2020 foram bons. O BC está falando que a economia está se recuperando, mas de maneira gradual, da forma que se espera. A taxa de juros, por si só, não consegue fazer tudo. Não adianta de nada ter a taxa de juros no lugar certo e a economia no lugar errado. Eu tenho essa leitura de que não é mais tão efetivo ou útil a taxa de juros nesse patamar tão baixo.

Inv.com: Mesmo olhando para um cenário de atividade ainda fraco?

AP: O BC não pode ajudar muito mais que isso. Os juros já estão em patamares superbaixos, mas as pessoas estão sem renda. Alguns segmentos da sociedade estão indo bem, aumentou até o consumo da parcela mais rica da população, mas a parte mais pobre não vai conseguir emprestar dinheiro ou fazer um financiamento somente porque os juros estão mais baixos. Não acho que a política monetária tenha muito o que jogar nesse momento.

Inv.com: Como fica a posição do BC sobre o risco fiscal nessa situação?

AP: A leitura deles é que se continuarem acontecendo, pode aumentar o prêmio de risco. Isso deve levá-los, por sua vez, a aumentar a taxa de juros. Eles não estão "desrrecomendando" gastos fiscais, mas falam que isso vai ter custo e que continuam vigilantes. Se continuar a fazer graça, os juros vão subir.

Inv.com: O BC poderia estar vendo um risco fiscal maior do que o que está colocado pelo mercado no momento?

AP: Não, não acho que seja isso. A última reunião foi em janeiro e lá ainda tinha toda a expectativa de eleição das casas legislativas, mais apreensão do que agora. O que eles estão fazendo é ajustando um pouco às novas questões do exterior, como os juros de dez anos dos EUA, que não pararam de subir desde o início do ano. É claro que eles estão preocupados com a questão fiscal. Agora a ideia é corrigir a inflação de maneira indireta, através do câmbio. Os IGP-Ms saíram completamente do lugar por conta do câmbio. A inflação no Brasil não é de demanda, é nitidamente de oferta. Subir a taxa de juros agora pode acabar ajudando a oferta, já que o custo de algumas mercadorias vai ser cotado em dólar.

Inv.com: Isso é uma maneira de mexer no câmbio?

AP: Parte das preocupações do Banco Central passa pela questão do câmbio, e a taxa de juros vem ajudar. Se não, precisam fazer isso de forma muito manual, através dos instrumentos. Mas precisam fazer alguma coisa com os IGPs que estão dando 30%. O problema do câmbio ficou agudo, o real foi uma das moedas que mais perderam. Seria ingenuidade achar que isso não está na conta.