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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

Ciro Gomes: decifre-se ou te devoram

Bem avaliado como gestor, mas inábil potilicamente, ex-governador do Ceará precisa se render à política para ter chance real de chegar à Presidência

20 outubro 2021 - 16h53
Ciro Gomes: decifre-se ou te devoram

Apesar de não ser político, o paulista de Pindamonhangaba Ciro Ferreira Gomes é um dos mais preparados quadros da política nacional. Mesmo sem ser político, elegeu-se, com expressivas votações, deputado estadual, prefeito, governador e deputado federal.

Em todas essas funções, obteve avaliações bastante favoráveis da população e da imprensa especializada. Sem nenhum traquejo para a política partidária, está em seu sexto partido. Sua falta de vocação para a política abreviou sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no governo de Itamar Franco. Em quatro meses, colecionou inimigos, chamando os consumidores de otários e os empresários de ladrões. Um primor de sutileza. 

Por essas e outras, ficou de fora do ministério de FHC, a quem devota um ódio incondicional. Para combatê-lo, saiu do PSDB e concorreu pela primeira vez, em 1998, à Presidência da República. Apenas um treino para as tentativas posteriores. Em 2002, foi rejeitado pelos petistas quando sugeriu uma frente suprapartidária para derrotar o PSDB. Os petistas temiam que sua antiga roupagem tucana pudesse ressurgir. Era considerado muito moderado, acreditem. Então, candidatou-se à Presidência, novamente, por uma coligação de partidos trabalhistas e conseguiu chegar atrás de Antony Garotinho, que hoje transita entre Campos e Bangu II, com direito a chiliques. 

No segundo turno, apoiou Lula, que, vitorioso, o convidou para o Ministério da Integração Nacional. Ficou ali por longos, para seus padrões, três anos e três meses. O presidente confiou-lhe a mais importante obra de infraestrutura de sua gestão, a transposição do Rio São Francisco, além de delegar-lhe a revitalização das principais agências de desenvolvimento regional, a SUDENE e a SUDAM.

Ciro tinha sido um bom gestor, em suas atividades de prefeito e governador, mas as enormes pressões e injunções políticas, decorrentes das vultosas verbas dessa obra e dessas agências, exigiam um apetite para a negociação e inevitáveis concessões (nos dois sentidos) que, definitivamente, não combinam com a personalidade desse caipira de Pindamonhangaba.

Em meados de 2006, traído novamente por sua inexperiência política, deixa o ministério para candidatar-se a deputado federal, com a exclusiva finalidade de salvar o seu partido (PSB) da extinção. Sua maciça votação garantiu a existência do partido.  Se soubesse fazer política, teria sido o vice na chapa da reeleição de Lula. Dali, seria o candidato natural do presidente para a eleição de 2010.

É certo que Ciro fosse eleito? Ninguém sabe, mas no mínimo teríamos nos livrado do pesadelo Dilma Rousseff. Na Câmara Federal passou batido. Ali é o centro da política, lugar de conversas boas e más, negociações dignas e indignas, brigas e reconciliações a toda hora, ou seja, o oposto do que pensa e pratica esse bem formado advogado e professor universitário do Vale do Paraíba.

Em 2010, mesmo mantendo a aversão pelo PSDB e pela política, encanta-se com Aécio e apoia sua candidatura ao Planalto. Hoje, arrependido, compartilha a minha percepção: nunca houve uma eleição presidencial com dois candidatos tão despreparados e inaptos para a função pretendida.

Entre 2011 e 2017, exilado da política, que, francamente, odeia, Ciro transita entre Sobral, Fortaleza e Boston (Harvard), com passagem pela Secretaria de Saúde do Ceará e muitos estudos sobre a realidade brasileira. Em 2018, faz sua terceira tentativa de chegar à Presidência, mas continuou estacionado no patamar de 12% do eleitorado, percentual que se mantém quase inalterado nos vinte e três anos que separam 1998 dos dias de hoje. 

Ciro é um jovem paulista, de 64 anos, conterrâneo de Geraldo Alckmin e intelectualmente muito bem preparado. Em sua longa e, razoavelmente, bem-sucedida carreira de gestor público, nunca sofreu acusações confiáveis com relação a sua integridade e honestidade. No campo da política, é a voz mais forte e constante contra o desastre guediano-bolsonarista.

Em contrapartida, coleciona dezenas, talvez centenas, de processos por conta do seu destempero verbal. Faz um inimigo por hora. Seu mau humor é suprapartidário. Bate na esquerda, na direita e no centro. Irrita os jornalistas porque não foge das perguntas. Tem resposta para tudo. Sabe tudo. Tem remédio para todos os nossos males. E, quase, nos dá Patrícia Pillar como primeira dama. Precisa mais?

Precisa. Para escrever este texto, fui ler o seu Projeto Nacional de Desenvolvimento, alicerçado em doze passos, indispensáveis para a realização deste PND. Inatacável. Um documento precioso como diagnóstico da situação brasileira. Tem começo, meio e fim. Vai além do diagnóstico em algumas questões.

Parece acertada e plausível a ênfase em quatro setores, nos quais temos madura capacidade instalada, física e tecnológica, a saber: petróleo e gás, saúde, agronegócio e defesa. A opção de reindustrializar o Brasil a partir desses setores, investindo pesado em educação e inovação é, de fato, um caminho obrigatório para qualquer projeto nacional. É certo, porém, que haverá grandes obstáculos para sua realização.

Não me refiro à questão orçamentária. Nem à indisfarçável má vontade, recíproca e injustificável, entre Ciro e este tal de “Mercado”. A questão, como tenho, enfadonhamente, repetido desde o primeiro artigo, é a política. A tarefa de ressuscitar um gigante acometido de morte cerebral, mantido vivo, por aparelhos, há pelo menos 48 anos, requer uma combinação de forças que só uma monumental articulação política poderia tornar possível.

O ideal é que não coloquemos nossas esperanças numa única figura. Esse modelo já deu errado várias vezes. Entretanto, é imperioso admitir que o Presidente da República, seja ele quem for, deve ser o comandante e coordenador dessa gigantesca tarefa. 

Um leitor mais atento deve ter percebido a ênfase que, conscientemente, dei à origem paulista de Ciro. Todos sabemos que de paulista ele tem muito pouco, além da certidão de nascimento. Por vezes, penso que essa é a raiz de seus problemas.

Criado, educado, iniciado na política e profundamente ligado ao Ceará, de tradicional família da cidade de Sobral, o que Ciro precisa, mesmo, é de uma temporada em Minas Gerais. Precisa juntar a pujança dos paulistas e a indomável vocação libertária dos cearenses com a esperteza e sabedoria mineiras no trato com “inimigos”. O futuro do Brasil agradeceria. 

Reconheço, um texto demasiado longo, que poderia ser resumido em um único parágrafo: “Há uma chapa imbatível para as eleições de 2022: Lula e Ciro. Exatamente nessa ordem. O contrário seria visto como embuste pelo eleitorado. É o caminho mais fácil para Ciro, mais adiante, conquistar seu maior sonho, a Presidência da República. Mas as chances dela se compor são tão remotas quanto a abertura política na Coréia do Norte. Um é político demais. O outro, de menos.

 

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