sexta, 19 de abril de 2024
MacroeconomiaCOLUNA

Macroeconomia

Eduardo Yuki

Eduardo Yuki, economista-chefe da Panamby Capital.

Economia ganha tração em meio ao desafio fiscal

A recuperação do consumo impulsiona a produção industrial: o uso da capacidade instalada alcançou em setembro o maior patamar desde 2015

06 outubro 2020 - 16h09
Economia ganha tração em meio ao desafio fiscal

A atividade econômica brasileira continua em recuperação. A redução do isolamento e os estímulos fiscais e monetários foram suficientes para a retomada do consumo das famílias nos últimos meses.

A recuperação do consumo está impulsionando a produção industrial e, consequentemente, o nível de utilização da capacidade instalada da indústria alcançou 78% em setembro, o maior patamar desde março de 2015.

O setor de serviços está mais lento, pois o distanciamento social impõe restrições para o retorno de algumas atividades. Mas a melhora da confiança do empresário do setor sinaliza o início de uma recuperação mais acentuada para frente.

Dados do CAGED mostraram criação de 278 mil vagas de emprego com carteira assinada em julho e agosto, com ajuste sazonal. Enfim, estamos iniciando um processo de recuperação da massa salarial.

Além disso, a redução da taxa de juros para apenas 2,0% e as medidas de liquidez implementadas pelo Banco Central começaram a impulsionar a concessão de crédito para pessoa física.

Assim, recuperação da massa salarial e do mercado de crédito sustentarão a expansão do consumo das famílias em 3,9% em 2021, mesmo sem um novo programa de transferência de renda.

Dessa forma, reiteramos nossa projeção de retração do PIB real de 4,5% em 2020 e expansão de 4,0% em 2021.

IPCA em aceleração e taxa de juros baixa

A desvalorização cambial ocorrida desde o início do ano e o aumento do preço de commodities estão pressionando a inflação no curto prazo, o que deixará o IPCA em 2,5% nesse ano. Ao longo do tempo o efeito primário desse choque será dissipado, mas os efeitos secundários, o aumento de preços administrados represados durante a pandemia e a retomada da atividade acelerarão a inflação ao consumidor para 3,2% em 2021.

A principal incerteza está no ajuste fiscal. O governo está buscando alternativas para financiar um novo programa de transferência de renda. É louvável a preocupação com os desempregados, mas precisamos reconhecer que o orçamento federal é finito.

O respeito ao teto de gastos implica que a criação de um novo gasto precisa ser financiada pelo corte de outra despesa. As declarações recentes de integrantes do governo mostram dificuldade política em reduzir despesas existentes.

A baixa taxa de juros em ambiente de elevada incerteza fiscal prejudica o ingresso de capitais.

Projetamos déficit de transações correntes em apenas 0,4% do PIB nesse ano e 0,7% do PIB em 2021.

Portanto, a recuperação da atividade econômica está ganhando sustentação própria com a melhora do mercado de trabalho e a expansão da concessão de crédito. A manutenção desse ambiente benigno depende do processo de ajuste fiscal, que tem gerado ruídos e incertezas.

Sinais de retomada ao redor do mundo

A atividade mundial continua em forte recuperação, como resposta aos estímulos fiscais e monetários.

Nos EUA, a recuperação da produção está incentivando a contratação de novos trabalhadores pelas empresas . Indicadores antecedentes sugerem continuidade da criação de novos postos de trabalho para os próximos trimestres, como o aumento da confiança do empresário, o elevado nível de encomendas em relação ao trabalho e o alto patamar de produto por trabalhador.

A esperada expansão da massa salarial suportará o crescimento do consumo das famílias acima de 5% no próximo ano.

Além disso, o FED sinalizou que pretende manter a taxa básica de juros em apenas 0,1% aa até 2023, o que levou a taxa de juros hipotecária de 30 anos para apenas 3,1% aa. O baixo custo de financiamento está acelerando as vendas de imóveis e, consequentemente, impulsionando a construção civil.

Enfim, a atividade americana está começando a ganhar tração própria com a disseminação da recuperação entre vários setores da economia e com o fortalecimento do mercado de trabalho. Reiteramos nossa expectativa de crescimento do PIB real de 5,0% em 2021.

A notícia ruim é que a dívida pública americana deverá saltar de 79% do PIB, em 2019, para 98% do PIB, neste ano. Considerando a atual legislação, a dívida se aproximará de 200% do PIB em meados deste século.

A apresentação de um plano de ajuste fiscal crível poderá suavizar o esforço necessário ao longo de vários anos, minimizando o seu impacto negativo sobre a atividade de curto prazo.

Zona do Euro e China

Na zona do Euro, a atividade segue em recuperação e a produção está em forte crescimento no 3T20. Assim, o mercado de trabalho estabilizará em breve e ajudará na nossa projeção de crescimento para a região acima de 7% em 2021.

Importante notar que o surgimento de novos casos de coronavírus em algumas localidades podem prejudicar temporariamente essa recuperação da atividade.

A necessidade de ajuste fiscal também estará presente nos próximos anos, especialmente na Itália (dívida pública deve atingir 159% do PIB neste ano).

Por fim, o nível da atividade chinesa já voltou para patamar anterior à crise. A manutenção dos empregos na crise, os estímulos para o setor de infraestrutura e a recente aceleração das exportações devem sustentar a economia nos próximos trimestres.

Portanto, o restabelecimento do emprego ao redor do mundo mostra que a atividade está começando a ganhar tração própria e suporta nossa perspectiva de crescimento mundial em torno de 6,0% em 2021. Esse cenário inclui a expectativa de que o necessário ajuste fiscal será diluído por muitos anos à frente, minimizando seu impacto na economia.

A opinião e as informações contidas neste artigo são responsabilidade do autor, não refletindo, necessariamente, a visão da SpaceMoney.

Leia outros artigos de Eduardo Yuki: