sábado, 20 de abril de 2024
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O que aconteceria com a economia brasileira se o dólar voltasse ao patamar de R$ 1?

Muitos têm saudades do tempo em que a moeda americana estava em baixa, mas se esse cenário se tornasse real repentinamente, haveria más consequências

15 setembro 2021 - 16h14Por Lucas de Andrade
 - Crédito: Omid Armin/Unsplash

Já faz algum tempo que o “novo normal” do câmbio tem sido o dólar no patamar de R$ 5,00. A última vez em que a moeda esteve cotada abaixo desse valor foi no dia 23 de junho, quando encerrou o dia a R$ 4,96. 

Entretanto, investidores, agentes de câmbio e até mesmo viajantes recordam com um certo saudosismo dos tempos em que a moeda já esteve cotada bem abaixo disso. 

Hoje, seria possível que o dólar voltasse ao patamar de R$ 1? E que efeitos isso causaria a na economia brasileira? 

Por que ele não cai?

Eliseu Hernandez, sócio e líder da mesa de renda fixa da Blue3, acredita que seja “extremamente improvável” que a moeda norte-americana volte a custar R$ 1. O executivo explica que o câmbio reflete a solidez da economia de um país. Ou seja, “quanto mais as atividades econômicas e as instituições funcionam bem, dentro das regras, mais difícil que a moeda local enfraqueça”. 

Um cenário que, já faz algum tempo, não condiz com o Brasil. “Precisaria ‘dar tudo certo’ no país”, diz.

Segundo Hernandez, uma série de condições seriam necessárias para baixar o preço da moeda norte-americana. Uma melhor segurança jurídica, o desenvolvimento do meio ambiente e uma atuação entre todos os agentes públicos “dentro das regras do jogo” poderiam colocar o Brasil nesse cenário um  dia, mas o executivo não vê perspectivas de que isso acontecerá.

Para ilustrar o cenário de adversidades que o Brasil passa nos últimos anos, Hernandez relembra o episódio em que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), por decreto, determinou a redução das tarifas de energia elétrica. Segundo o executivo, essa intervenção foi um caso de atuação fora dos limites.

Ele explica que a medida pegou as companhias do setor e o mercado financeiro de surpresa. “Toda a programação que as empresas fizeram de investimentos, de custo, produção e infraestrutura para aquele período foi jogada por água abaixo. Tudo que estava precificado… Ou seja, do nada mudou-se a regra do jogo e afetou o planejamento”. 

Posturas assim tendem a afastar investidores do país, segundo o executivo. “Uma pessoa que vai investir, vai levar toda a conjuntura política do país em consideração e analisar todos os demais riscos que podem acontecer”, afirma. 

De lá para cá, muitos outros fatores jogaram contra a valorização do real. A pandemia de Covid-19, que se prolonga desde março de 2020 e já vitimou mais de 585 mil pessoas no Brasil, é um deles. Inclusive, os efeitos da crise do novo coronavírus foram responsáveis por elevar a moeda americana do patamar de R$ 4 para mais de R$ 5. 

A tensão institucional entre o presidente Jair Bolsonaro e membros do Poder Judiciário, que aparentemente está em trégua, e a pior crise hídrica em mais de 90 anos também impedem que o preço do dólar caia. 

Outro grande desafio tem sido a inflação. De acordo com Hernandez, o câmbio, a longo prazo, reflete também a paridade do poder de compra. Desde 1986, a revista The Economist utiliza o The Big Mac Index. Esse indicador trabalha com o preço médio do famoso Big Mac, do McDonald’s, nos EUA e o compara com o valor do tradicional lanche em outros países.

“O preço de um Big Mac aqui sobe um pouco mais rápido do que lá, por exemplo. Por conta das várias influências internas sobre o valor dos produtos. Necessariamente, o câmbio tem que depreciar para refletir essa diferença”, explica.

E se o dólar caísse de repente, quais seriam os impactos imediatos?

Hernandez acredita que as exportações iriam sofrer, mas as importações seriam muito maiores.

“Nós seríamos capazes de comprar mais coisas lá fora. Por exemplo, peças de computador que custam muito mais caro aqui, conseguiríamos importar por um valor muito mais barato. Máquinas, equipamentos, roupas e outros também”, diz.

A queda no preço dos combustíveis também ocorreria, mas, para conseguir segurar o câmbio, o Banco Central precisaria suprir toda a demanda por dólar. Isso exigiria que a autoridade monetária “queimasse” suas reservas internacionais para que o câmbio convergisse a R$ 1. 

Já os juros iriam explodir. “A nossa Selic iria lá para a casa dos 40%, para que o mundo se interesasse em investir aqui. Isso ajudaria a segurar o câmbio no patamar de R$ 1”, estima.

O executivo relembra que a nossa taxa básica de juros já chegou ao nível de 45% no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), do PSDB.

Hernandez acredita que, entre tantas variáveis, haveria também um impacto que acarretaria em baixo crescimento do Produto Interno Bruto e um cenário social desolador.

“As empresas teriam que se adequar aos custos. Minha receita cai, eu tenho que diminuir o custo. Como faço isso? Com demissões, por exemplo. Poderia haver bastante desemprego”, diz.

E o dólar a R$ 1 duraria pouco, acredita: “Esse câmbio depreciado se estenderia até onde as reservas do Banco Central suportassem”.

“Depois, haveria um ataque especulativo [quando investidores estrangeiros provocam desvalorização da moeda local em ação coordenada no mercado de câmbio, em relação a moeda de referência - no caso, o dólar], provavelmente”, acrescenta.