Ilustração mostrando o planeta Terra em formato plano no espaço, simbolizando a ideia de um mundo nivelado pela globalização e pela evolução financeira.
Ilustração do conceito de “mundo plano”, inspirado na globalização e nas transformações econômicas descritas por Thomas Friedman.

No Best Seller, “O Mundo é Plano”, o grande autor Thomas Friedman faz uma análise precisa e afiada sobre a globalização, como ela se revela e como o uso da tecnologia da informação e comunicação, criou uma “plataforma nivelada” onde indivíduos e países competem em igualdade de condições. O que ele intitulou de “achatamento do mundo”, ele mesmo traduziu como a globalização 3.0, que começou por volta do ano 2000, ao permitir que pessoas em diferentes países colaborassem e competissem em um único plano, superando barreiras de distância e tempo. Tudo isso ocorreu devido à convergência tecnológica que permitiu que países em desenvolvimento, como a China e a Índia, se integrassem à cadeia global de suprimentos e serviços, resultando em uma explosão de riqueza em suas classes médias.

Assim como um em Déjà vu literário, está se verificando aqui no Brasil o mundo se tornando plano novamente, mas no sistema financeiro e bancário.

O cenário financeiro brasileiro passa por uma transformação estrutural notável, marcada pela progressiva migração de recursos que historicamente transitavam pelo sistema bancário tradicional para estruturas mais dinâmicas e especializadas, como os fundos de investimento. Essa mudança reflete uma busca crescente por eficiência, rentabilidade e, sobretudo, por soluções financeiras que se alinhem de forma mais precisa às necessidades complexas e multifacetadas das empresas. A era do financiamento corporativo padronizado, dominada pelos grandes bancos de varejo, está cedendo espaço a uma arquitetura de mercado de capitais mais sofisticada e acessível.

Historicamente, o sistema bancário exerceu um papel quase hegemônico no provimento de crédito e na gestão de ativos no Brasil. Contudo, a combinação de fatores macroeconômicos, como a queda sustentada da taxa Selic nos últimos anos, e a evolução regulatória impulsionaram uma reavaliação da alocação de capital. Investidores e empresas passaram a buscar alternativas que oferecessem retornos superiores e, no caso das corporações, condições de captação mais vantajosas e menos engessadas do que as linhas de crédito bancárias convencionais.

A principal marca do sistema bancário tradicional se sustenta em uma pilastra-mestra: a padronização. Os produtos de crédito são, em grande parte, commodities com altas taxas de spread e exigências colaterais rígidas, que nem sempre se adequam à realidade operacional e ao ciclo de caixa de cada negócio. Em outras palavras, os bancos vendem produtos que são convenientes, com ciclos e controles, e fazem com que as empresas se adaptem aos produtos que eles possuem, quando a lógica deveria ser diametralmente oposta. Para empresas com necessidades específicas — seja para capital de giro, expansão, aquisição de ativos ou reestruturação de dívidas —, as soluções bancárias frequentemente se mostram inflexíveis, demoradas e excessivamente onerosas. Para ilustrar essa situação, os bancos vendem um terno para empresas, que é apertado, não atende às necessidades, mas que facilita a vida do alfaiate e não a do usuário.

Mas existe um alfaiate novo na cidade: os fundos de investimento, por sua vez,  emergem como o principal vetor de transformação. Eles atuam como veículos de captação e alocação de recursos que conectam diretamente o capital dos investidores às oportunidades de mercado. Essa desintermediação não apenas reduz custos, mas também abre a porta para uma diversidade de estruturas financeiras que antes eram restritas a grandes operações de investment banking.

O grande diferencial dos fundos, especialmente os estruturados como Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e Fundos de Participações (FIP), é a sua customização. Diferentemente de um empréstimo bancário, a constituição de um fundo permite que o veículo financeiro seja desenhado sob medida para a empresa-alvo, ou seja, é o terno que irá se adaptar e será feito conforme a necessidade do usuário, mesmo que o alfaiate vire a noite para deixar tudo pronto. É possível moldar o prazo, o fluxo de pagamento, as garantias e até mesmo a destinação específica dos recursos, transformando o passivo em uma solução estratégica.

Essa adaptabilidade se manifesta na capacidade de os fundos absorverem ativos não convencionais como lastro. Por exemplo, um FIDC pode ser estruturado para monetizar recebíveis futuros de contratos de longo prazo, que seriam de difícil aceitação como garantia em um banco tradicional. Essa flexibilidade permite que empresas de setores específicos, com fluxos de receita particulares, acessem capital de forma mais eficiente, utilizando seus próprios ativos operacionais como fonte de financiamento.

Além da customização, a transparência e a governança são pilares que fortalecem a migração. Os fundos de investimento são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e exigem um alto nível de compliance e segregação de responsabilidades entre gestor, administrador e custodiante. Essa estrutura de governança robusta confere maior segurança e credibilidade aos investidores, facilitando a captação de grandes volumes de capital.

Ou seja, estamos vendo o mundo se achatar novamente, essa mudança do eixo financeiro no Brasil, do crédito bancário para o mercado de capitais via fundos, não é apenas uma tendência, mas uma evolução natural. Segundo dados extraídos da ANBIMA, no ano de 2024, os Fundo de Investimento representavam em conjunto, em volume de recursos 8,2 trilhões de reais em ativos contra um volume de negócios bancários de 11,5 trilhões de ativos, sendo que em termos de volume, os Fundos de Investimento representam, em 2024, cerca de 41,6% do mercado. E esse crescimento é exponencial, ano após ano. A migração para os Fundos de Investimento representa a maturidade do mercado em oferecer soluções que reconhecem a singularidade de cada empresa. Ao invés de forçar a empresa a se adaptar ao produto financeiro, o fundo de investimento se adapta à necessidade da empresa, otimizando a estrutura de capital e impulsionando o crescimento.

Cabe às empresas saírem do “modo avião” e buscarem soluções fora do tradicional, escolhendo parceiros certos e que sejam capazes de destravar todo o potencial de acordo com as características e peculiaridades. Isso é, conforme diz o ditado: “O terno certo para a pessoa certa”, mas um terno que se molde a empresa, e não o contrário.

Tales de Moraes Moreno é advogado com mais de 15 anos de experiência do mercado empresarial, já atuou nos principais escritórios de direito empresarial do país, professor e colunista do portal SpaceMoney.