Sopa com letras coloridas formando ETF, simbolizando a complexidade dos ETFs no Brasil e sua baixa popularidade entre investidores.
Imagem / ChatGPT – Representação criativa da ‘sopa de letrinhas’ dos ETFs no Brasil, simbolizando a complexidade e o desafio de popularização entre investidores.

Apesar de crescerem em volume e variedade, os ETFs no Brasil — fundos de índice negociados em bolsa — continuam representando apenas cerca de 1% do mercado de fundos. O número, revelado durante o Encontro Anual sobre Índices e ETFs no Brasil 2025, promovido pela S&P Global, expõe uma realidade que especialistas classificam como resultado de um mix de fatores culturais, regulatórios e comerciais.

Educação financeira e cultura de investimento limitada

O primeiro obstáculo é cultural. Enquanto nos Estados Unidos o investimento em ETFs é parte do DNA do investidor — uma estratégia popular desde a década de 1990 —, no Brasil ainda prevalece o apego aos produtos tradicionais de renda fixa, CDBs e fundos bancários.

Como destacou Leonardo Maranhão, da Invés Finance, o brasileiro “ainda precisa girar a chave” e entender que investir em ETFs é uma forma eficiente de diversificação e redução de custos. Já Mariana Negri, do Itaú, pontuou que “ainda causa estranhamento o uso do home broker para aplicar em renda fixa”, reforçando a distância entre o investidor médio e os produtos de bolsa.

A comissão que não vem e a ‘sopa de letrinhas’

Outro entrave é a falta de incentivo para os assessores. Como lembrou Francisco Amarante, da ABAI, “um dos pontos é a não remuneração do assessor na venda de ETFs”. Sem comissões, poucos profissionais se empenham em apresentar o produto aos clientes.

Além disso, a complexidade das siglas e nomes — como IVVB11, BOVA11, HASH11 — cria uma verdadeira “sopa de letrinhas” que afasta quem ainda não domina o jargão financeiro. “O investidor não é sofisticado, e a linguagem técnica acaba gerando rejeição”, conclui Amarante.


Análise: o que falta para o ETF brasileiro deslanchar

A visão de Fábio Murad

Para Fábio Murad, CEO da SpaceMoney e criador do método Super ETF, o problema vai além da linguagem ou da falta de comissão.

“A baixa adesão aos ETFs no Brasil é reflexo direto da falta de compreensão sobre o poder desse instrumento. O investidor brasileiro ainda associa investimento de qualidade à figura de um gestor ativo, quando na verdade o maior valor está em reduzir custos e seguir a lógica da diversificação automática. Como ensina John Bogle, ‘quanto menores os custos, maiores as recompensas’. O ETF é isso: eficiência e transparência em um produto que coloca o investidor no controle do próprio patrimônio. Nosso desafio é cultural — ensinar que investir bem não é adivinhar o mercado, mas possuir o mercado inteiro de forma inteligente e disciplinada.”

Murad ressalta que o investidor brasileiro ainda mede sua riqueza em reais, o que, segundo ele, “é o primeiro erro”. Em seu E-book Plano de Ação Renda Global Super ETF, ele demonstra que quem investiu apenas no CDI nos últimos dez anos teve ganho real de apenas 4% em dólar, enquanto o S&P 500 subiu quase 190% no mesmo período. “A diferença é brutal. Enquanto aqui comemoramos rendimentos nominais, lá fora os investidores constroem riqueza real e dolarizada”, afirma.


John Bogle: a teoria por trás da eficiência dos ETFs

A análise de Murad se alinha à filosofia de John C. Bogle, criador do primeiro fundo de índice do mundo e autor do clássico O investidor de bom senso. Bogle defendia que a melhor estratégia de investimento é possuir o mercado inteiro, com o menor custo possível e no longo prazo.

Segundo o autor, “os investidores como um grupo obtêm exatamente o retorno do mercado antes dos custos; portanto, quanto menores os custos, maiores os ganhos líquidos”. Essa lógica simples — mas ignorada pela maioria — é o que transforma o ETF em uma ferramenta tão poderosa.

“No longo prazo, o milagre dos retornos compostos é sobrepujado pela tirania dos custos capitalizados”, escreveu Bogle, referindo-se às taxas e comissões que corroem a rentabilidade de fundos tradicionais.

Essa filosofia ecoa diretamente na tese de Murad: o ETF representa liberdade financeira, eficiência e transparência, três pilares que ainda não se consolidaram no investidor médio brasileiro.


Um mercado pronto para amadurecer

Embora o cenário atual ainda seja tímido, há sinais de evolução. A B3 já lista mais de 120 ETFs, cobrindo índices de ações, renda fixa, criptoativos e setores específicos. Além disso, o crescimento da educação financeira e das plataformas digitais tende a democratizar o acesso.

Mas a mudança depende de tempo e de mentalidade. Como ensina Bogle, “investir com sucesso consiste em minimizar o que o sistema financeiro consome de seus ganhos”. E, como reforça Murad, “enquanto o investidor brasileiro buscar rentabilidade em produtos caros e complexos, continuará preso ao ciclo de mediocridade financeira”.


O futuro dos ETFs no Brasil depende menos de novos produtos e mais de uma mudança de mentalidade. O investidor precisa entender que investir bem não é pagar caro por performance duvidosa, mas apostar no poder da disciplina, da diversificação e dos custos baixos.

Como sintetiza Fábio Murad:

“O ETF é a ferramenta que transforma o investidor comum em dono do mercado. E o Brasil precisa aprender a ser dono, não refém.”