Após ameaça de tarifas de 100% sobre produtos chineses, presidente dos EUA adota tom conciliador e anima bolsas globais. Especialistas veem trégua momentânea, mas alertam para riscos fiscais e políticos que mantêm a volatilidade elevada.
Bolsas respiram após “trégua verbal” de Trump
Depois de uma sexta-feira de perdas históricas — mais de US$ 2 trilhões em valor de mercado evaporaram —, a segunda-feira (13) começou com alívio. O motivo: Donald Trump recuou no discurso.
Dois dias após ameaçar tarifas de 100% sobre importações chinesas, o presidente americano afirmou que “tudo ficará bem” e que os EUA “não querem prejudicar a China”. O tom mais leve trouxe de volta o apetite por risco e impulsionou os principais índices de ações.
Na contramão do confronto, Pequim respondeu pedindo diálogo e cooperação, sinalizando que ambos os lados ainda buscam um entendimento. A trégua verbal, ainda que temporária, foi suficiente para melhorar o humor global.
Bolsas, moedas e commodities reagem em alta
Com o mercado de Treasuries fechado pelo feriado de Columbus Day, a liquidez global ficou menor, mas o clima de alívio predominou.
Nos Estados Unidos, os futuros do Dow Jones subiam cerca de 1%, o S&P 500 avançava 1,4% e o Nasdaq ganhava 1,9%. Entre as gigantes de tecnologia, Nvidia e AMD registravam altas superiores a 3%, enquanto Apple e Meta subiam mais de 1%.
O dólar, que havia disparado na sexta-feira, recuava 0,73% no Brasil, cotado a R$ 5,46. O Ibovespa futuro operava em alta de 0,98%, aos 141.745 pontos.
Commodities também reagiram: petróleo Brent avançava 1,6% e minério de ferro subia 1,13% em Dalian. Na Europa, o STOXX 600 ganhava 0,4%, impulsionado por mineradoras. Já os mercados asiáticos ainda refletiam o tombo da semana anterior.
O que detonou a nova rodada de tensão
A tensão entre Estados Unidos e China voltou a escalar na sexta-feira (10), quando Pequim anunciou restrições à exportação de terras raras — minerais essenciais para semicondutores, veículos elétricos e equipamentos militares.
Trump reagiu de imediato, ameaçando tarifas de 100% sobre produtos chineses e novos controles sobre exportações de softwares críticos, o que gerou pânico entre investidores.
Segundo o Goldman Sachs, o episódio tem mais aparência de tática de negociação do que de uma mudança estrutural. O banco destaca que as tarifas só entrariam em vigor em 1º de novembro, após a reunião da APEC, quando pode ocorrer um encontro entre Trump e Xi Jinping — o que deixaria espaço para recuo.
O Ministério do Comércio da China (MOFCOM) também indicou disposição para o diálogo, dizendo que suas medidas foram reativas às restrições americanas.
“O latido de Trump é pior que a mordida”
O pânico de sexta-feira levou à maior queda desde abril: o S&P 500 recuou 2,7% e o Nasdaq, 3,5%. De acordo com o JPMorgan, o movimento foi agravado por vendas automáticas de fundos alavancados, que despejaram US$ 26 bilhões em ações no fechamento.
Mesmo assim, o mercado vê espaço para recuperação. Para Matthew Ryan, estrategista-chefe da Ebury, “o latido de Trump é pior que a mordida”.
Shutdown americano e balanços de bancos mantêm tensão
Apesar do respiro momentâneo, o “shutdown” do governo americano segue preocupando investidores. O impasse já dura 13 dias e pode atrasar o pagamento de servidores a partir de 15 de outubro.
Segundo o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o problema “está começando a afetar a economia real”.
Sem dados econômicos novos — devido à paralisação —, o mercado tende a reagir a manchetes políticas, o que deve manter a volatilidade alta.
Além disso, a semana marca o início da temporada de balanços dos grandes bancos dos EUA — entre eles JPMorgan, Goldman Sachs, Citi e Bank of America —, que podem oferecer pistas sobre crédito e consumo.
Brasil tenta acompanhar o clima positivo
O ambiente externo mais calmo e a alta das commodities ajudaram o Ibovespa a abrir em alta. Mas o cenário doméstico continua desafiador.
O país enfrenta deterioração fiscal, fragilidade do crédito corporativo e saída de capital estrangeiro, fatores que mantêm o real sob pressão.
Nesta terça-feira (14), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participa de audiência no Senado sobre o projeto que amplia a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, tema que deve impactar as expectativas de arrecadação e o humor dos investidores.
O que vem pela frente
Os próximos dias indicarão se a fala de Trump foi apenas um recuo tático ou o início de uma trégua real com a China.
O mercado aguarda clareza sobre as tarifas de 100%, previstas para novembro. Analistas do JPMorgan alertam que, mesmo com o alívio, a volatilidade continuará alta, e que carteiras com metas de volatilidade podem gerar até US$ 30 bilhões em novas vendas de ações nos próximos dias.
Em outras palavras, o “latido” pode ter diminuído — mas a mordida dos mercados ainda não terminou.