OPINIÃO - Meteoro à vista

Receita Federal emite Instrução Normativa 2.275/2025 que colidir com o mercado imobiliário brasileiro e os impactos serão medidos por anos e anos

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Receita Federal emite Instrução Normativa 2.275/2025 que colidir com o mercado imobiliário brasileiro e os impactos serão medidos por anos e anos

Há sessenta e seis milhões de anos atrás, um evento sem precedentes alterou o curso da história e de toda a humanidade. Um asteroide colidiu com a terra onde hoje é denominada a Península de Yucatán, em Chicxulub, México. Os efeitos posteriores dessa colisão resultaram na extinção em massa dos animais da terra, incluindo a maioria dos dinossauros provocando consequências que podemos identificar até hoje. Estamos diante de outro Meteoro que irá causar outra onda avassaladora de impactos e consequências, mas dessa vez, porém, os dinossauros somos nós, e o meteoro tem outro nome, denominado da Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025.

A recente aprovação da Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025, em 18 de agosto de 2025, representa um marco regulatório que promete redefiniro mercado imobiliário brasileiro. A normativa estabelece a obrigatoriedade do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e a integração dos cartórios ao Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter). Em uma primeira análise parece ser positiva, é até pueril, tem a função modernização cadastral, contudo, se traveste de “lobo em pele de cordeiro”, a real faceta dessa normativa desencadeará uma série de impactos profundos e, para muitos, alarmantes. Este artigo explora como essa mudança afetará proprietários, locadores, o valor dos imóveis e a carga tributária, podendo culminar em uma inflação generalizada no país.

O primeiro impacto será direto, no coração do sistema imobiliário visando combater a sonegação fiscal no mercado de aluguéis. Com a integração de dados entre cartórios, Receita Federal e prefeituras, os proprietários que alugam seus imóveis sem declarar os rendimentos serão facilmente identificados. O cruzamento de informações permitirá que o Fisco compare os dados de titularidade dos imóveis com as declarações de Imposto de Renda, expondo quem recebe aluguéis de forma irregular. Essa fiscalização mais rigorosa forçará muitos locadores a regularizarem sua situação, o que, por sua vez, aumentará a carga tributária sobre eles e, consequentemente, poderá levar a um repasse desses custos para os inquilinos, encarecendo o valor dos aluguéis em todo o país.

Mas o que muda de fato? Por que agora essa ‘lei vai pegar’, ao contrário de todas as outras que nunca conseguiram o mesmo efeito?

O Leão vem aprimorando suas técnicas de caça e a temporada de caça está apenas começando. Cada imóvel irá a contar com um Código CIB único e nacional, o que o mercado apelidou do CPF do imóvel, a complementar os múltiplos códigos existentes (IPTU, MATRÍCULA, INCRA, CAR) e unificando suas referências, garantindo um maior controle e fiscalização sobre as operações imobiliárias, como é o caso das alienações, cessões onerosas, arrendamento, locação, dentre outras. Com a inclusão das informações junto ao SINTER pelos tabelionatos e cartórios de registro de imóveis haverá um maior controle por parte do fisco, com o cruzamento automático de informações, ou seja, uma maior fiscalização tributária (IR, ITR, ITBI)

A obrigatoriedade do CIB e a integração ao Sinter causarão um impacto drástico no mercado imobiliário. A necessidade de regularização de todos os imóveis, incluindo aqueles com pendências documentais ou sem matrícula, criará uma demanda massiva por serviços de regularização fundiária. Imóveis irregulares perderão valor de mercado, enquanto os regularizados se tornarão mais caros. Essa valorização, somada à maior transparência e segurança jurídica, atrairá mais investidores para o setor, mas também poderá gerar uma bolha especulativa, com preços subindo a níveis insustentáveis para a maioria da população.

Existem casos de contribuintes que terão de pagar 27,5% de valores nunca declarados de receita provenientes de aluguéis, além de eventuais multas que o fisco poderá aplicar por conta da não declaração e sonegação, situação que poderá se agravar ainda mais após a aprovação da reforma tributária, uma vez que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) estabelece uma alíquota de 8,4% adicional nas receitas oriundas de locações.

 O segundo choque e mais perverso é outro. Ao longo dos anos, as prefeituras têm utilizado bases de cálculo defasadas para a cobrança do IPTU. Com o Sinter, os municípios terão acesso a um “valor de referência” dos imóveis, calculado com base em dados de mercado atualizados, como transações de compra e venda, aluguéis e outras operações registradas. Isso significa que, mesmo sem um aumento na alíquota do IPTU, o valor do imposto a ser pago pelos proprietários aumentará significativamente, pois a base de cálculo será atualizada para refletir o valor real de mercado dos imóveis. Esse aumento da carga tributária sobre a propriedade poderá desestimular a posse de imóveis e pressionar ainda mais os custos para quem vive de aluguel.

Inflação à vista

O aumento dos aluguéis e do IPTU, somado à valorização dos imóveis, criará um efeito cascata na economia. O custo de moradia, que já é um dos principais componentes da inflação, subirá, pressionando o orçamento das famílias. Empresas que alugam imóveis comerciais repassarão o aumento dos custos para os preços de seus produtos e serviços. Esse movimento, combinado com a maior arrecadação de impostos pelo governo, poderá gerar uma inflação generalizada, afetando todos os setores da economia e diminuindo o poder de compra da população.

A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 representa uma grande vitória para os órgãos de controle, que passarão a ter um poder de fiscalização sem precedentes sobre o patrimônio imobiliário dos brasileiros. A centralização de dados no Sinter permitirá um controle total sobre as transações e a vida financeira dos cidadãos, o que, por um lado, combate à sonegação, mas, por outro, levanta questões sobre privacidade e o uso dessas informações pelo Estado. A capacidade de cruzar dados de diferentes fontes em tempo real dará ao Fisco ferramentas poderosas para identificar qualquer tipo de irregularidade, o que pode levar a um aumento da litigiosidade e a uma maior pressão sobre os contribuintes.

A Instrução Normativa RFB nº 2.275/2025 se releva como um verdadeira faca de dois gumes. Se por um lado promove a transparência, a segurança jurídica e o combate à sonegação, por outro, pode gerar uma série de consequências negativas para o mercado imobiliário e para a economia como um todo. O aumento da carga tributária, a valorização dos imóveis, a pressão inflacionária e os custos de regularização são desafios que precisarão ser enfrentados pelo governo e pela sociedade.

Mas, como diz o ditado, se o Leão melhora suas técnicas de caça, cabe à presa mudar seus hábitos e a forma como atua, qualificando-se. A legislação brasileira sempre estabelece caminhos e meios para evitar que contribuintes sejam penalizados com um aumento injusto em sua tributação.

Uma coisa é certa, o meteoro está chegando, seus impactos já foram analisados, mensurados e quantificados. A pergunta que fica é: você irá assistir como os músicos no Titanic, aguardando o fim trágico ou irá se preparar, se antecipar e buscar os remédios para evitar ou suavizar suas consequências? Não fazer nada é brigar com os fatos, e como diria a pensadora e escritora Ayn Rand  “você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”.

Tales de Moraes Moreno é advogado com mais de 15 anos de experiência do mercado empresarial, já atuou nos principais escritórios de direito empresarial do país, professor e colunista do portal SpaceMoney.