quarta, 24 de abril de 2024
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Inflação de produtos pet desafia planejamento financeiro de famílias e de ONGs que resgatam animais

Num período de doze meses encerrados em setembro, os gastos com alimentação, higiene e cuidados clínicos de animais domésticos dispararam 16,9%, segundo levantamento

16 novembro 2021 - 12h02Por Lucas de Andrade

Alguns estudiosos afirmam que há benefícios na relação entre humanos e animais, tanto que popularmente se diz que os cães são os melhores amigos do homem.

Mas a inflação, pelo menos no Brasil, tem atrapalhado e muito esse vínculo e desafia o orçamento de famílias e instituições que acolhem não só cachorros, mas diferentes espécies de bichos de estimação, como gatos, aves e outros nesse momento de grave crise econômica.

De acordo com um levantamento realizado pela fintech Olivia com seis mil pessoas, os gastos com pets cresceram 16,9%, entre outubro de 2020 e setembro de 2021. Um avanço que faz a média mensal de gastos passar de R$ 172,00 para R$ 237,00 por mês.

Segundo o material, o pico percentual dos gastos mensais ocorreu no mês de agosto deste ano, quando, na comparação com o mesmo período de 2020, o valor necessário para manter um pet passou de R$ 183 para R$ 226 por mês - uma alta de 23,3%.

A disparada dos gastos com animais de estimação já havia sido mensurada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), especialmente com alimentação.

Segundo o órgão, num período de doze meses encerrado em setembro, a inflação sobre os alimentos para os animais foi de 18,07%. A alta dos produtos de higiene, no mesmo período, foi de 6,98%.

Planos suspensos por enquanto

João Jorge, 56, servidor público e morador de Nova Iguaçu (RJ), sente grandes dificuldades para manter os custos de Zeus, cão da raça american bully, de apenas 1 ano e quatro meses. Ele conta que, por imprevistos ocorridos nos últimos meses, não conseguiu ir adiante com os planos de castração do bichinho. 

Reprodução: Arquivo pessoal

“Eu já tinha combinado com o veterinário dele que faríamos a operação, que ficou em torno de R$ 350. Mas, infelizmente, arrumei dívidas e, no fim das contas, também não teria como ficar com ele durante todo o pós-operatório por causa do trabalho”, diz.

Segundo o levantamento da fintech Olivia, gastos com clínicas veterinárias subiram 10,7%, em doze meses encerrados em setembro, e chegaram a uma média de R$ 236.

Já com o pet-shop, as despesas de João Jorge são as mínimas possíveis. Banhos, por exemplo, só em casa. “Eles [funcionários do pet-shop] fazem um preço normal, de R$ 50, oferecem todos os cuidados, mas ele precisa de um banho por semana, no mínimo, e isso daria uns quatro por mês. Eu não tenho condições de pagar R$ 200 todo mês”.

Para agradar o cãozinho, João Jorge compra brinquedos e outros acessórios, mas afirma que até esses produtos mais básicos estão muito caros hoje em dia. “Ele acaba com um ossinho muito rápido, não dura nem dois dias”, conta aos risos. Segundo o servidor, o último osso que comprou para Zeus custou R$ 13,90. 

Ainda de acordo com a pesquisa, gastos com produtos e serviços de pet-shops subiram 15,3% no período de doze meses encerrados em setembro - um gasto médio que passou de R$ 140  para R$ 167.

A solução foi racionar 

Essa forte elevação impacta também o orçamento de Douglas Pessoa, 24, estudante de Ciência da Computação. O jovem vive no bairro do Leme, no Rio de Janeiro (RJ), junto com o pai e cuida de Flora, uma gata que completou 2 anos na última terça-feira (9). 

Reprodução: Arquivo pessoal

Ele conta que, desde que começou a criar a pet, percebeu como os preços dispararam. “Antes, a ração era de R$45 a R$50, hoje são R$70”. Esse valor, de acordo com o estudante, garante a compra de três quilos de ração para a gata. 

Segundo Douglas, todos os estabelecimentos perto de casa estão com o preço equivalente, às vezes com uma pequena variação de R$ 2 a R$ 4. A saída, para tentar conter um pouco os efeitos dos gastos na conta da família, foi racionar e diminuir a quantidade de comida diária da qual a gata se alimenta.

Quem resgata também precisa de ajuda

Mas se a inflação já impacta o orçamento das famílias, quem sofre com a alta dos preços e custos com os pets também são os institutos que resgatam e acolhem animais acidentados ou em situação de abandono. 

Marcelo José Mattos Marques, presidente da Suipa (Sociedade União Internacional Protetora dos Animais), sediada em Benfica, no subúrbio do Rio de Janeiro, afirma que a organização sobrevive, “à duras penas, com despesas mensais salgadas e dívidas altas”. “Entretanto, a gente tenta se manter em atividade graças às contribuições mensais de seus associados em todo país”, diz.

Reprodução: Agência O Dia

60 cães, em média, chegam à unidade todos os meses. São 2.200 animais que hoje estão nas dependências da organização. 

O local dispõe de uma estrutura com abrigo operante e ambulatório que atende a população com serviços veterinários a preços populares, mas precisa de ajuda e contribuições mensais dos associados para manter as portas abertas, “uma vez que o poder público não apoia nesse sentido”. 

A Secretaria Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, entretanto, doou há pouco tempo emergencialmente quilos de ração e doses de vacinas anti rábicas.

Marcelo conta que a Suipa está sob uma decisão judicial do Ministério Público, que entende a sua superlotação e a proibiu de acolher e resgatar animais sob pena de multa, “mas ainda assim acolhem aqueles que estão em situação de risco, como os doentes atropelados que são encaminhados diariamente ao portão da organização”.

Ele diz que a entidade atravessa um dos piores momentos financeiros em 78 anos até mesmo para pagar os salários de funcionários, em razão da pandemia de Covid-19 que prejudica o número de doações.

“Nossas contribuições caíram muito. Só de rações para cachorros adultos gastamos uma tonelada por dia. Por isso, peço ajuda da sociedade e do poder público”, reforça.  O baixo número de doações acompanha também a baixa adesão de adoções. 

O presidente da Suipa afirmou que, desde o último ano, a média de adoções dos animais caiu de 35 para 20 - quase 43,0%. Essa queda, segundo Marcelo, também se explica com a pandemia de coronavírus, “porque surpreendeu todo mundo. Se você pega um pet, você tem gastos com alimentação, com veterinários, etc”, diz.