sábado, 20 de abril de 2024
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Como saber se os seus investimentos priorizam seus objetivos e não os ganhos de quem os indica?

Conheça o fee based, modelo de negócios que supera o conflito de interesses e estabelece como meta os resultados para os clientes e não comissões e valores que a corretora venha a receber por outras indicações

05 novembro 2021 - 15h10Por Lucas de Andrade

Imagine que um político, com a possibilidade de distribuir cargos, nomeie parentes e amigos para exercerem uma determinada função. Naturalmente, a gente se perguntaria: e se essas pessoas não fossem próximas a ele? Seriam escolhidas da mesma maneira?

Ou pense num juiz que recebe um processo no qual uma das partes envolve alguém conhecido ou uma empresa a qual esteve vinculado como cliente. Como ele poderia julgar a causa com a imparcialidade devida?

Essas duas situações ilustram um problema muito comum: o conflito de interesses. E os exemplos não se esgotam apenas nesses casos. Há uma série de pessoas que estão inseridas em suas atividades profissionais num modelo conflitado. No mercado financeiro não poderia ser diferente.

Nele, o conflito ocorre na relação dos clientes com suas corretoras, bancos e outras instituições e se baseia num modelo distorcido em que diferentes produtos de investimentos têm diferentes taxas. 

Há fundos em que são cobradas taxas de administração de 5%, por exemplo. Outros estabelecem uma taxa permanente de 2%, e o cliente ainda paga uma taxa de performance que incide sobre o retorno - em algumas corretoras, essa taxa chega a 20%.

Assim, o investidor não sabe se os produtos recomendados para a sua carteira são os melhores para si próprio e para os objetivos que traçou ou se eles dão mais retorno conforme as metas de quem os indica.

Um desafio para a indústria de investimentos brasileira

A cultura de investimentos brasileira está enraizada nesse modelo conflitado, chamado de “comission based”, que caracteriza a indústria de investimentos 2.0. Para Fabio Murad, economista e co-CEO da SpaceMoney, as perspectivas de que o Brasil supere esse sistema ainda estão muito distantes.

“Eu não tenho dúvidas de que a transformação da indústria ocorra em algum momento, mas não vai ser em uma velocidade tão grande quanto gostaria. Só a XP, por exemplo, maior player do mercado, conta com uma rede de mais de onze mil agentes autônomos”, diz.

A superação do comission based, explica Murad, seria o “fee based”. Com ele, a cobrança da taxa de gestão ocorre por um único valor, sem entrelinhas, taxas de rebate ou custos extras, que incidem sobre o valor investido. Os conflitos de interesses são eliminados já que não são acrescidas quaisquer comissões para a instituição ou para os assessores associados.

Murad cita alguns exemplos de fee based ao redor do mundo. “No Reino Unido, já não tem mais como trabalhar com o comission based. Só pode fee based, o que a gente chama de investimentos 3.0. Lá nos Estados Unidos, maior centro financeiro mundial, dois terços do mercado já migrou para o fee based”, afirma.

O que fez a CVM

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) publicou a instrução 592, em novembro de 2017, para abrir as portas ao fee based no Brasil. A norma regulamenta o trabalho e a remuneração dos consultores de valores mobiliários, e sofreu alterações em fevereiro de 2020.

Os consultores precisam ser autorizados pela autarquia e suas atribuições são os serviços de orientação, suporte, recomendações e conselhos sobre investimentos. A remuneração desses profissionais deve ser previamente detalhada juntamente com todas as atividades que foram executadas pelo consultor.

Assim, o cliente dispõe de informações mais transparentes sobre os custos ao utilizar os serviços prestados pelos consultores e ao aplicar o seu patrimônio em produtos indicados pelos mesmos.

Quanto às taxas, somente as de bases fixas e de performance podem ser seguidas. Caso a remuneração dependa da performance do ativo investido, os cálculos precisam ser explicados detalhadamente. 

As mesmas diretrizes valem para a remuneração das corretoras, porém essas taxas de performance somente podem ser cobradas de investidores considerados profissionais.

Mudança de mentalidade para favorecer os clientes

Segundo o executivo, o que justifica a predileção de agentes do mercado financeiro brasileiro pelo comission based são as receitas mais imediatas.

“Por exemplo, eu vendo um título de renda fixa. Suponha que o banco pague 8% ao ano e eu passe 7% para o cliente. Essa diferença, o que chamamos de spread, geralmente, vai ser metade para a corretora e metade para o agente autônomo”, explica. “Isso ajuda a oxigenar o fluxo de caixa do escritório de investimentos em questão.”

Já com o fee based funciona diferente. “Com os investimentos 3.0, o banco ofereceu o título de renda fixa a 8% ao ano, a gente passa os 8% para o cliente. Cobramos apenas uma taxa única. Simples assim.”

Murad espera que a migração para o modelo 3.0 ocorra à medida que o nível de consciência das pessoas - tanto bancos, corretoras e outras instituições, quanto clientes - seja despertado. 

“Isso vai ocorrer assim que agentes, empresas de planejamento e consultoria passarem a entender que isso se trata também de negócios. Quando passarem a se ver como o que são: empresas que precisam de fluxo de caixa para crescer e sobreviver”, afirma.

A indústria, engessada, depende muito de comissão e corretagem, e permanece travada sem expectativas de modernizar seu modelo, segundo o executivo. “Geralmente, com o fee based, há a compra e venda de ações de graça, sem corretagem, por exemplo. Isso torna todo o processo de migração mais lento”.

E prossegue, com justificativas para que as empresas avancem: “Se você vir o valuation de uma empresa com receita muito instável, comparado a outra mais estável e previsível, seu ativo - a empresa de investimentos - tende a ter um valor econômico muito maior no 3.0”.

Murad cita a parceria que a SpaceMoney mantém com a Warren Investimentos para enfatizar esse avanço. 

“Por exemplo, o cliente faz investimentos em produtos recomendados pela Warren. Quando os ativos são da própria Warren, as taxas de administração e de performance são zero. Quando são produtos de terceiros, a comissão que recebemos do outro gestor volta para a conta do cliente integralmente em cashback”, conta.

Ele afirma que, dessa maneira, tanto a SpaceMoney quanto a Warren Investimentos cobram uma taxa fixa e que, por isso, “não interessa priorizar uma gestora ou outra, mas sim trabalhar da melhor forma possível para o cliente em consideração ao seu perfil de investidor, prazos e objetivos”. “Nós já somos 3.0, apesar de estarmos no 2.0”, conclui.