quinta, 18 de abril de 2024
Custo de vida

Trabalhar fora do país para receber em outra moeda aumenta o poder de compra?

Se você trabalha no Brasil, mas ganha em euro ou dólar, é claro que sim. O problema na análise começa quando a pessoa trabalha fora do país e recebe na outra moeda, mas também gasta nessa mesma moeda

26 outubro 2021 - 16h43Por Investing.com

Por Jessica Bahia Melo, da Investing.com -  Com a elevação na inflação, que já ultrapassa 10% em doze meses, e alto índice de desemprego, que ficou em 13,7% no trimestre encerrado em julho, o número de brasileiros vivendo fora do país nunca foi tão elevado. De acordo com dados do Itamaraty, neste ano cerca de 4,2 milhões brasileiros moravam no exterior - 600 mil a mais em relação ao último levantamento, realizado no ano de 2018. Segundo o órgão, as concentrações mais expressivas estão nos Estados Unidos, Portugal, Paraguai, Reino Unido e Japão.

Para quem reside no Brasil, com o mesmo valor de anos atrás, o carrinho de compras fica cada vez mais vazio e a troca por alimentos mais em conta – como ovo e frango no lugar da carne vermelha, mesmo que de segunda -  é mais frequente. Trabalhar em outro país é visto como uma boa opção para quem pode, mas todos os custos envolvidos em transporte, alimentação e outras necessidades básicas na moeda estrangeira precisam ser levados em consideração.

Ganhar em outra moeda vai me dar maior poder de compra?

A resposta é: depende. Se você trabalha no Brasil, mas ganha em euro ou dólar, é claro que sim. O problema na análise começa quando a pessoa trabalha fora do país e recebe na outra moeda, mas também gasta nessa mesma moeda.

Um exemplo da confusão é a repercussão do vídeo disponível no Tik Tok  “O que é mais difícil, ser pobre no Brasil ou na Inglaterra?”, que teve 1,3 milhão de visualizações. O autor da postagem, Marco Antonio Galano, faz uma comparação dos itens que compra, como cerca de 4 libras no combo de MC Donalds. Também gasta 300 libras por mês em uma boa compra de mercado - o que não acontecia no Brasil, segundo ele.

A bagunça iniciou nos comentários, quando muita gente achou que a comparação correta seria converter o valor das libras em reais para a mesma análise. No entanto, isso não é válido, pois nesse caso, o salário é em libras e o gasto também. Ou seja, a comparação deve ser em relação ao poder de compra de mercadorias e serviços que o salário possui.

O economista Igor Rocha, pesquisador na Fundação Getulio Vagas (FGV), explica que, ao ganhar o salário em uma determinada moeda, mas consumir na mesma moeda, não quer dizer que necessariamente haverá aumento no poder de compra. Os preços dos produtos mudam de país para país, assim como a inflação.

“Claro que você vai ter um incremento no poder de compra pela taxa de câmbio se você ganhar em libra, dólar ou euro e gastar aqui no Brasil. Daí, sim, você tem um aumento do poder de compra. Mas, se você ganhar em moeda estrangeira, você tem que levar em conta os custos daquele outro país. Dado que você ganha em moeda estrangeira, mas gasta em moeda estrangeira também, você não pode fazer essa comparação direta, a não ser que você ganhe nessa outra moeda e gaste em real. De outra forma, é comparar banana com abacaxi”,  reforça.

A catarinense Bruna Isoppo, que residia em Florianópolis, agora mora em Nápoles, na Itália. Ela acredita que o poder de compra é maior (mas não seis vezes maior, se fizéssemos a comparação errada, convertendo o valor do euro, pois ela gasta em euros também). Na lista de compras, estão manteiga a cerca de 2 euros, 750 g de frango a 4 euros e alface crespa a 1 euro.

“O poder de compra com certeza aumentou, tanto em relação a produtos eletrônicos quanto para supermercado. A porcentagem do salário que vai para o supermercado é muito menor, comparando com o Brasil. Com muito menos eu consigo me alimentar bem tanto do ponto de vista nutricional quanto da qualidade do produto, comprar um vinho melhor, queijos bons, massas. A fruta custa mais, mas o total acaba compensando”,  conta a estudante. 

Como medir o poder de compra?

A paridade do poder de compra, ou PPP, como é chamada pelos economistas, deixa em uma mesma métrica a comparação de poder de compra entre os países. É uma forma de estimar os preços de produtos de um país e comparar com os mesmos itens de outro país em moeda de referência, normalmente o dólar norte-americano.

Segundo Rocha, a paridade do poder de compra busca tentar deixar em uma mesma equivalência o salário, para verificar o quanto ele vale em bens. “É fazer essa equivalência entre os países para ver com a renda disponível, o quanto ele consegue adquirir em bens. Assim você consegue fazer uma comparação entre os países”, detalha.

O Banco Mundial, por exemplo, calcula o Produto Interno Bruto (PIB) pela paridade do poder de compra. Nessa análise, o Brasil ficou em oitavo lugar do ranking mundial nos anos de 2019 e 2020. Era o sétimo em 2018. No entanto, esse indicador desconsidera a população.

Já o Fundo Monetário Internacional (FMI) mede o PIB per capita e a paridade do poder de compra. Os dados da instituição colocam o país na 85ª colocação entre 195 países. No ano de 1980, o Brasil estava no 50º lugar.

Outra medida é o Índice Big Mac, criado pela revista The Economist, que compara uma cesta padronizada para produção do sanduíche, com itens como pão, queijo e alface. Assim, estima quanto uma moeda está sub ou supervalorizada em relação à outra.

No caso do Brasil, na comparação com o dólar em junho deste ano (última data de análise), o real estaria 22.8% desvalorizado. Na comparação com o euro, 13.1%. Com a libra, 8.2%.

No entanto, a professora de economia Julia Braga, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que não existe uma tendência de a taxa de câmbio convergir para uma taxa que promova a paridade das várias moedas, da forma como prevê a teoria da PPC. Como as taxas de câmbio possuem intervenções e o câmbio é uma variável extremamente complexa, ela sofre diversas influências, argumenta a economista.

Deterioração do poder de compra dos brasileiros

Com a pandemia, alta da inflação e desemprego elevado, o país tem visto cair o poder de compra nos últimos anos. Igor Rocha detalha que a situação sanitária desajustou as cadeias produtivas de forma acentuada. Além disso, os países desenvolvidos realizaram uma série de ações para recuperar as economias, aumentando a demanda. "Em um momento houve um choque de oferta e, em um segundo momento, começa a ter um choque de demanda, acima da capacidade de ofertar. Ainda há dificuldades climáticas, como acontece no Brasil". 

Além disso, a compressão da renda, causada pelo desemprego, é outro fator de restrição no poder de compra. Para o economista, não há perspectiva de curto prazo de reversão dessa situação, principalmente com a expectativa de os bancos centrais estrangeiros diminuírem a liquidez do mercado, com a preocupação mundial em relação à inflação.

Dólar nas alturas impacta corrói poder de compra ainda mais

A alta do dólar também é um dos fatores de impacto no poder de compra, pois afeta a inflação brasileira. “A gente importa muitos bens intermediários, insumos e até fertilizantes para produção no campo. Então a variação cambial acaba afetando nesse preço e, portanto, nos custos, que serão repassados em algum grau. Ou até mesmo para aqueles produtos que o país exporta, mas que são commodities, com preços denominados nos mercados internacionais”, comenta Julia Braga.

Com dólar sistematicamente acima de R$5, a expectativa de Alexandre Viotto, head de câmbio da EQI Investimentos, é de que a moeda americana continue nesse patamar ou fique ainda mais elevada. Viotto acredita que o movimento de depreciação do real ocorreu devido à redução muito expressiva na taxa de juros básica da economia, a Selic, deixando o país menos atrativo para os investidores internacionais, principalmente na comparação com outros países emergentes. Para ele, o BC errou ao abaixar os juros de forma tão elevada.

“O real foi a moeda que mais desvalorizou desde que tivemos o início da pandemia. Quando passou a fase mais aguda do covid-19 e o Banco Central começou a subir os juros, muita gente achou que iria acontecer o inverso, que o país ficaria mais atrativo para os investidores estrangeiros e o real voltaria ao patamar pré-covid. Mas isso não aconteceu. Mesmo com o BC subindo os juros, ele está enxugando o gelo. O investidor internacional tem uma sensação de que a pauta de reformas, privatizações e questão fiscal não saíram do papel”, analisa.

Segundo Viotto, a subida nos juros não vem sendo o suficiente para deixar o país atrativo para o capital estrangeiro. Além disso, a instabilidade política brasileira, a proximidade com as eleições e com o “tapering”, a retirada de estímulos pelo Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos), podem impactar no dólar ainda mais.