sexta, 19 de abril de 2024
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Humberto Mariano

Economista e Diretor AETQ de Fundo de Pensão Privado.

Há consenso de que o Estado deve liderar, mas quem lidera o Estado?

07 abril 2020 - 13h08
Há consenso de que o Estado deve liderar, mas quem lidera o Estado?
Ainda que eu quisesse e soubesse escrever sobre Moda ou Astronomia, não conseguiria escapar do tema onipresente em todas as discussões, textos e imagens a que temos sido submetidos nessas últimas semanas. Não que tenha deixado de tentar, mas nenhum tema se mostrou mais importante ou necessário diante dos enormes impactos que a atual pandemia tem causado em todos os aspectos da vida humana. Um par de aspectos destaca-se dos demais, por sua abrangência global e importância. No presente, para o decidido e resoluto enfrentamento do problema e no futuro, para construção e organização do provável novo mundo ─ os otimistas acrescentariam, o novo Homem ─ que surgirá na esteira de uma crise sem precedentes. Refiro-me aos aspectos humanitários e econômicos, sem nenhuma dúvida, as maiores causas de preocupação e atuação dos governos, das empresas e das pessoas. Por aqui, falamos de Economia e Política e assim devemos continuar. Nada mais pernicioso nesse momento do que a profusão de opiniões de comentaristas sobre todo e qualquer aspecto da pandemia, a maior parte delas contaminada por achismos e viéses ideológicos. Em sentido contrário a esses exercícios de inutilidades e falsos conhecimentos, felizmente, há, nos âmbitos governamental e privado, variadas e múltiplas intervenções que têm contribuído para minimizar os efeitos da calamidade. Os governos, salvo deploráveis exceções, balizam suas ações na melhor ciência, ouvindo seus técnicos e cientistas de todas as áreas do conhecimento para a formulação das políticas econômicas e sociais mais adequadas ao presente momento. A sociedade, também em grande maioria, entendeu a importância e necessidade dessas medidas e faz a sua parte, seja prevenindo o surgimento de mais casos, seja auxiliando aqueles menos favorecidos, às vezes, inalcançáveis pelas ações dos governos. No Brasil, como em outros países, há consenso que somente o Estado tem a capacidade de gerenciar e tomar a dianteira no combate aos efeitos da pandemia. Sumiram, por ora, as resistências aos déficits fiscais; estimulam-se políticas monetárias mais agressivas; imprimir dinheiro novo deixou de ser uma heresia; afrouxam-se as medidas de controle do Orçamento. Quanto disso sobreviverá ao final da crise ainda é uma incógnita, mas o que se sabe é que essa discussão ─ o tamanho do Estado ─ tomará outros rumos e novas vozes se ouvirão em contraponto à visão dominante até o início desse ano. Embora muitas dessas medidas tenham caráter emergencial e prazos definidos em sua regulação, a sua aplicação deixará marcas e conseqüências, que serão suportadas pelos anos, e até gerações, seguintes. Convém, também, ficar atento aos onipresentes oportunistas de sempre. Não apenas os políticos, sempre tão estigmatizados. Os oportunistas estão em todos os lugares: nas corporações patronais e sindicais, nas empresas, nos palácios, nos Três Poderes, na imprensa, nos municípios e nos estados. Sempre haverá os que irão aproveitar-se da boa vontade e ingenuidade de muitos para tentar colocar o seu jabuti na generosa árvore das medidas necessárias. Por exemplo: como não é possível fazer chegar às pessoas físicas e jurídicas os efeitos de políticas monetárias sem a intermediação dos bancos públicos e privados, torna-se imperativo fiscalizá-los para que o uso dessa montanha de dinheiro disponibilizado seja efetivamente direcionado para os que dela necessitam e que sejam utilizadas para irrigação dos canais de produção e distribuição dos bens e serviços indispensáveis. Outro ponto que nós, brasileiros, temos discutido bastante, em especial nessa última semana, é o ritmo de aprovação e implementação das políticas projetadas para atendimento das empresas e pessoas afetadas. A maioria das críticas concentra-se no poder encarregado de fazer acontecer, ou seja, de tornar concretas as iniciativas dele próprio e dos outros poderes: o Executivo. O Ministro da Economia demorou pelo menos duas semanas, a partir do final de Fevereiro, para fazer sua primeira aparição nas entrevistas diárias da equipe encarregada da linha de frente no combate à crise. Anunciou uma série de medidas, quase todas bem recebidas e na direção certa, mas com prioridade no atendimento às empresas e aos empregados formais, sem atentar para o exército de informais e desassistidos, que sequer podem ser contabilizados com razoável exatidão. Alertado da falha, safou-se propondo um auxílio de R$ 200,00 por indivíduo desse, quantitativamente, desconhecido contingente. O Congresso tratou de corrigir a iniquidade e, por fim, acertou-se o valor de R$ 600,00. Entretanto, mesmo com a aprovação pelo Legislativo, em tempo recorde, até hoje se discute a necessidade de regulamentação adicional e específica para sua realização. Da mesma forma, a Medida Provisória que pretende minimizar demissões e perdas salariais expressivas demorou semanas para chegar ao Congresso e, mesmo depois de aprovada, ainda demanda uma série de procedimentos para torná-la efetiva. Desnecessário dizer (ou escrever) que ainda restam a serem apresentadas diversas outras medidas e que, por ser desconhecida a extensão temporal da pandemia, algumas das medidas já aprovadas poderão vir a ser renovadas ou alteradas. Seria injusto falar em letargia e descoordenação por parte do Governo Federal. Afinal, ações corretas têm sido tomadas e o principal objetivo do Ministério da Saúde ─ o achatamento da curva de casos confirmados e de óbitos ─ vem sendo atingido com a valiosa colaboração das autoridades estaduais e municipais e, principalmente, da população. Entretanto, salta à vista de todos a incapacidade da maior parte do Governo Federal em lidar com os aspectos sociais e humanitários da pandemia. Por sinal, não há novidade nisso, porque desde seu inicio este governo não escondeu sua prioridade pela liberalização da economia, que levaria ao desejado desenvolvimento, em detrimento das políticas sociais. E ao escolher suas prioridades, certas ou erradas, montou uma equipe incapaz de entender, projetar e, o mais importante, de implementar este tipo de política. O duro aprendizado dessa equipe vem ocorrendo, as duras penas e a custa do sofrimento dos mais vulneráveis, sem  que haja uma liderança efetivamente engajada no esforço nacional de união e convergência de propósitos. A falta dessa liderança é outro dos grandes assuntos que sobreviverão ao pico da crise e será, no médio prazo,  objeto de intensas discussões e movimentações no campo político. A campanha para as eleições presidenciais de 2022 não entrou em quarentena.