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Eduardo Yuki

Eduardo Yuki, economista-chefe da Panamby Capital.

Recuperação econômica deve continuar apesar do auxílio emergencial menor

Existem quatro fatores que sustentarão a recuperação: poupança das famílias; estoques; expansão do mercado de crédito; e mercado de trabalho.

04 setembro 2020 - 16h00
Recuperação econômica deve continuar apesar do auxílio emergencial menor

Os mercados financeiros apresentaram maior volatilidade e discrepâncias em agosto. As bolsas internacionais continuaram sua demonstração de pujança, com S&P e Nasdaq atingindo novo recorde histórico e o dólar perdendo valor frente a moedas de economias avançadas. 

Por outro lado, os ativos brasileiros não acompanharam essa tendência benigna, com perda de vigor naqueles que dependem de crescimento sustentado de longo prazo. Os principais ativos brasileiros tiveram má performance no mês passado, com queda de 3,4% no Ibovespa, desvalorização do Real em 5% e alta da curva de juros em todos os vértices.

 

Global: surpresa positiva

A atividade econômica mundial surpreendeu positivamente as expectativas dos economistas nos últimos meses. Os enormes estímulos lançados pelos governos estão incentivando o consumo das famílias e, consequentemente, impulsionando a produção global neste trimestre. Nos EUA, os estímulos fiscais possibilitaram uma rápida recuperação das vendas de varejo, como mostra a Figura 1. É importante destacar que a poupança das famílias aumentou substancialmente entre março e julho, o que ajudará na sustentação do consumo ao longo dos próximos meses.

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Panamby Capital

Além disso, a taxa de juros em patamar historicamente baixo levou as vendas de imóveis para o maior patamar desde 2007. O baixo nível de estoques e o aumento do preço de residências deverão incentivar o setor de construção em breve.

Destaca-se, ainda, que o FED passará a buscar inflação média de 2,0% ao longo do tempo. Isso significa que a taxa de juros pode continuar baixa por mais tempo, pois a autoridade monetária permitirá que a inflação fique acima de 2,0% por algum período. Liquidez alta por mais tempo.

Assim, reiteramos nossa visão mais construtiva do que o consenso e projetamos retração do PIB real dos EUA em 3,8% neste ano (consenso em -5,0%).

Fonte: Bloomberg. Elaboração: Panamby Capital

A zona do Euro também tem surpreendido positivamente. As vendas de varejo voltaram para o patamar anterior da crise e as encomendas devem incentivar a produção local no terceiro trimestre do ano. 

A China está mais avançada no ciclo de recuperação e o nível da atividade já retornou para o patamar anterior à crise. Os incentivos em infraestrutura continuam fortalecendo a demanda por minério ferro, enquanto o país recompõe estoques de commodities mesmo durante o acirramento das tensões geopolíticas.

Brasil daqui pra frente

A atividade econômica brasileira começou o processo de recuperação em meados de abril, baseada na redução do isolamento social e nos estímulos adotados pelo governo federal. De lá para cá, a nossa recuperação também tem surpreendido positivamente.

As vendas de varejo já voltaram grande parte da queda ocorrida durante o auge da crise, como mostra a Figura 3. O retorno do consumo tem incentivado a produção e, consequentemente, a utilização de capacidade instalada da indústria manufatureira atingiu o mesmo patamar do início do ano. Além disso, as empresas contrataram novos trabalhadores em junho.

Fonte: IBGE. Elaboração: Panamby Capital. 

Daqui em diante, existem quatro fatores que sustentarão esse processo de recuperação:

1. Poupança das famílias.

Desde o início da liberação do auxílio emergencial, verificamos aumento significativo na poupança das famílias. Esses recursos guardados poderão ser utilizados para sustentar o consumo ao longo dos próximos meses;

2. Estoques.

O início da crise foi marcado pelo pânico dos empresários, o que levou a uma rápida redução da produção para nível abaixo da demanda. Assim, houve queima de estoques em alguns setores no primeiro semestre. Essas empresas precisarão produzir acima da demanda nesse semestre para recompor parte dos seus estoques;

3. Expansão do mercado de crédito.

A defasagem natural da política monetária sugere que a redução da taxa de juros e a liberação de liquidez para o sistema financeiro devem beneficiar o mercado de crédito nesse semestre. Importante ressaltar que a concessão de crédito para pessoa física e jurídica já começou a melhorar moderadamente;

4. Mercado de trabalho.

Encontramos sinais animadores com a criação de 108 mil vagas de emprego formal em junho, com ajuste sazonal. Ademais, maior parte da redução do emprego durante a crise ocorreu no mercado informal, que possui maior flexibilidade para retornar ao trabalho.

Portanto, a recuperação da atividade brasileira deve continuar nos próximos meses, mesmo com redução do valor do auxílio emergencial. 

Reiteramos nossa visão e projetamos retração do PIB real em 4,5% nesse ano (consenso em torno de -5,5%).

Respeitando as regras do jogo

Os estímulos fiscais adotados durante o período da pandemia foram essenciais para ajudar na recuperação da atividade econômica. O custo dessas políticas é a rápida deterioração das contas públicas e o salto da dívida pública bruta de 76% do PIB, em 2019, para 96% do PIB, neste ano.

A manutenção da solvência fiscal exige que os estímulos temporários permitidos durante o período da pandemia não sejam estendidos para 2021. Além disso, precisaremos respeitar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos para conseguir estabilizar a dívida pública em torno de 110% do PIB em 2035. 

O respeito às regras do jogo implicará acionamento dos gatilhos de contenção de despesas em 2022. Esse processo é politicamente complexo e exige melhor entendimento por uma nova legislação.

Nosso cenário base inclui o respeito às regras. A necessária retirada dos estímulos pesará negativamente sobre a atividade ao longo de 2021 e permitirá que o BCB mantenha a taxa Selic em 2,00% por um longo período.

Apesar disso, não podemos negligenciar o risco de que políticas populistas deteriorem adicionalmente as contas públicas ao longo dos próximos anos. Nesse caso, a autoridade monetária seria forçada a subir a taxa de juros antes do tempo.

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